A Cosmologia
Por Marcos Jorge Dias
No começo… Havia o cantar dos pássaros, o assobio do vento, o piar das corujas, o estalar das sementes, o gotejar da chuva nas folhas, o barulho da água correndo por meio dos grotões. O vento trazia da floresta os sons dos invisíveis. Quando a tarde ia caindo – levando o sol no rumo do oriente – tinha o banho no rio, a lua nascendo brilhante. E começava a noite. Passava a rasga-mortalha, gritava o gogó de sola na beira da mata. E na roda em volta da fogueira, sob a luz azulada da lua, as estórias eram contadas.
Foi no tempo em que a terra não tinha dono, não tinha fronteiras e os rios corriam cheios na época das chuvas e fazia praia no tempo da friagem. O povo que vivia na mata não tinha doença e não brigava entre si. Os papagaios comiam no mesmo barreiro que o caititu. Os brabos vinham em bandos. Subindo a correnteza em ubá grande que roncava sem parar. Espantavam as araras das ingazeiras da beira do rio e matavam tudo que viam. Socó, quatipuru e jaçanã quem nem serve para comer, virava embiara. E assim começou o fim.
Numa noite em que a lua não veio e o povo dormia na sacupema da grande samaúma ouviu-se um espoco e depois o clarão na mata escura. Depois as cargas quentes de chumbo, entrando nas carnes dos que dormiam sem saber o que estava acontecendo.
Os brabos naquela noite mataram todos os guerreiros, velhos, curumins, e as mulheres que não conseguiram amarrar. O cheiro de sangue misturado com pólvora correu a mata. Os que puderam correram para o centro e se esconderam. Mas os brabos tinham pau de fogo que matava de longe. Tinham sede de sangue e do leite que descia da seringueira quando era cortada. Mas isso foi num tempo que ficou pra trás.
ANOTE AÍ:
Marcos Jorge Dias, em “Estórias do Aquiry & Outros Mundos”, Editora Xapuri, 2017.
Fotos: Ibã Huni Kuin (Capa); EBC (foto interna).
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