Kianda: a sereia banto de Angola
Angola reúne muitos mitos e lendas devido a uma grande diversidade de culturas : o país junta pessoas com origens, línguas e costumes diferentes, o que faz a sua riqueza. Uma personagem mítica muito popular em Angola é a Kianda.
Por Noémie Pereira Lopes/nossaavenidablog
Por exemplo “A felicidade da Kianda” de um pintor amador angolano, Admario Costa Lima. Aqui a Kianda está gravida e é por isso que ela está feliz.
Esse era o desejo de Kianda.
Outro texto muito interessante sobre Kianda encontra-se na página Nossos Ancestrais, Nossos Ancestrais, no Facebook:
Kianda, a Sereia Banto
Trecho do artigo de doutorado “A diáspora de Maria: relações sincréticas e culturais entre Nossa Senhora, Kianda e Nzuzu em O outro pé da sereia, de Mia Couto” de Silvio Ruiz Paradiso.
Uma sereia negra – ao primeiro momento, uma ideia antitética, visto que nosso imaginário caracteriza este ser pela visão eurocêntrica, isto é, branca e loira.
A palavra sereia vem do grego Σειρiνας, e é justamente a partir da mitologia da Grécia Antiga que este ser, parte mulher e parte peixe, se espalhou para a literatura e demais artes. A tradição diz que eram filhas do rio Aquelôo (Achelous) e de alguma das musas (JEHA, 2007, p.87).
Todavia, as sereias não estão destinadas a serem protagonistas apenas da mitologia européia. Na África, muitas são divindades aquáticas, cuja iconografia é de uma sereia.
Angola, por exemplo, possui suas sereias encantadas, poderosas, influindo para o bem e o mal, com a respeitosa ambivalência popular de amor e medo, como é o caso de Kianda (ou Quianda, por variação).
De origem angolana, Kianda aparece nas obras de grandes escritores, como Manuel Rui, com Rioseco e Um anel na areia; Mãe Materno Mar, de Boaventura Cardoso, em obras de Luandino Vieira, entre outras. Secco (2009, p.2) foca o romance O Desejo de Kianda, de Pepetela, “no qual a divindade é alegoricamente apropriada pelo discurso ficcional.
O maravilhoso invade a narrativa e o grito rebelde de Kianda ressoa na dimensão mítica e literária”. A sereia Kianda é relembrada e celebrada por várias partes de Angola, Congo, República Democrática do Congo etc.:
Quianda é a sereia marítima.
Vive nas águas salgadas ao redor de Luanda e por toda orla do Atlântico angolano. Sua velha morada era nos rochedos que circundam a fortaleza de São Miguel, entre o Marginal e a Praia do Bispo. Diante da cidade está a ilha de Luanda, Muazanga para os auxiluandas, seus nativos, ligados ao continente por uma larga ponte.
Quianda é aí culto antigo para os auxiluandas. Tem uma intérprete, sacerdotisa, devota profissional, a quilamba, açafata em suas festas […]. (SELJAN, 1967, p.32).
Kianda é o singular da palavra Ianda, ambas oriundas do verbo uanda, em quimbundo, sonhar. Secco revela que a deusa angolana das águas e da vida traz, desse modo, etimologicamente expressa em seu nome, a semântica dos sonhos, já que é função dessas divindades marinhas a comunicação com o mundo ancestral dos antepassados (SECCO, 2009, p.6).
Dutra (2001), evocando o trabalho de pesquisa sobre as sereias africanas de Virgilio Coelho (1997), observa Kianda como a nomenclatura das sereias na região do rio Kwanzà, que banha a cidade de Luanda e avança em direção ao interior do país. À medida que o rio segue seu rumo, a denominação Kitútá fica mais evidente, enquanto Kixìmbí é o termo mais antigo (DUTRA, 2001, p. 135).
Porém, Seljan, baseada em Câmara Cascudo, vê Kitútá e Kixìmbí como outras classes de sereias. A Kitútá, moradora dos rios e lagoas, montes e matas, pode viver bem longe da população; já Kixìmbí, que pode ser masculina ou feminina, têm domínio nos rios e lagoas da região. (SELJAN, 1967, p.33).
A pesquisadora ainda continua, revelando que Kianda realmente é uma water genius (gênio da água), antiquíssimas entidades locais valendo como forças materializadoras do próprio elemento.
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1 Do original banto Kyàndà. Há variações presentes nas citações, como Quianda. (Nota do autor do artigo.)
260 Uniletras, Ponta Grossa, v. 33, n. 2, p. 253-267, jul./dez. 2011 Professor Silvio Ruiz Paradiso.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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