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A lenda do Cobra Norato, nascido no Paranã do Cachoeiri

Diz a lenda do Cobra Norato que um paranã chamado Cachoeiri, que fica entre os rios Amazonas e Trombetas, nasceram dois irmãos gêmeos no formato de duas serpentes, a quem a mãe deu os nomes Honorato, que ficou conhecido como Cobra Norato, e  Maria, que logo pegou o apelido de Maria Caninana.  Os dois eram seres da água, não podiam viver em terra.

Cobra Norato era forte e bom, nunca fez mal a ninguém. De vez em quando, depois que a noite chegava,  aparecia para visitar sua velha mãe tapuia. Quando as estrelas apareciam, Cobra Norato saía da água e ia coleando até subir a barranca, onde deixava o couro da cobra e se transformava em um belo rapaz ribeirinho. Daí partia pra casa da mãe, onde jantava e dormia.

De madrugada, antes do último cantar do galo, Norato descia a barranca e voltava para o seu corpo de cobra do rio. Voltava a ser Cobra Norato, um protetor das pessoas que se afogavam nas águas do Trombetas ou do Amazonas. Por causa dele, a piraíba do Rio Trombetas abandonou a região, depois de uma luta de três dias e três noites.

Maria Caninana, ao contrário, era cheia de maldades: atacava os pescadores, alagava as embarcações, feria os peixes pequenos e nunca foi visitar a sua velha mãe, que seguia vivendo do paranã do Cachoeiri. Cobra Norato matou Maria Caninana porque ela era violenta e má, e desde então passou a viver sozinho nadando nos igarapés, nos rios, no silêncio dos paranãs.

Quando havia festa à beira dos rios, assim que escurecia Cobra Norato desencantava e aparecia, todo de branco, para dançar com as moças, conversar com os jovens e agradar os mais velhos, deixando todo mundo contente com sua presença. Depois, pouco antes do amanhecer, ouvia-se o barulho do descendo o barranco para de novo virar cobra e cumprir seu destino.

Uma vez por ano, Cobra Norato convidava um amigo para desencantá-lo. O amigo ou amiga podia ir à beira do rio e encontrá-lo dormindo como cobra, boca aberta, dentes finos, riscando de prata o escuro da noite: devia, então, sacudir na boca da cobra três pingos de leite de mulher e dar uma cutilada com ferro virgem na cabeça da cobra, estirada no areião.

Cobra fecharia a boca e a ferida daria três gotas de sangue. Honorato ficaria só homem, para o resto da vida.

O corpo da cobra deveria ser queimado. Não fazia mal. Bastaria que alguém tivesse coragem. Muito gente tentou ajudar mas, ao chegar perto da cobra dormindo na beira do rio, se assombrou e saiu correndo. Até a mãe de Honorato passou por lá, tentou ajudar o filho, mas fugiu com medo. Então Cobra Norato teve que seguir com sua sina, subindo e descendo barrancos, sem remissão.

Num putirão famoso, Cobra Norato nadou para o rio Tocantins, subindo para Cametá. Deixou o corpo de cobra na beira do rio e foi dançar, comer, conversar. Depois de alguma prosa, fez amizade com um soldado, a quem pediu que o desencantasse.

O soldado foi,  com um vidrinho de leite e um machado virgem, até a beira do rio, onde viu a cobra dormindo, de boca aberta. Depois de sacudir os três pingos de leite em sua boca, desceu o machado, com vontade. O sangue esparramou por todo lado e a cobra parou todo movimento.

Honorato deu um suspiro de descanso. Veio ajudar a queimar o corpo da cobra onde vivera por tantos anos. As cinzas voaram. Honorato ficou homem. E  morreu, anos e anos depois, na cidade de Cametá, no estado do Pará. Dele ficaram os muitos causos por toda a região amazônica. Canoeiros, batendo a jacumã, sempre apontam para algum lugar nas águas, dizendo:

“Ali passava, todo dia, a cobra Norato.”

Fonte: O conteúdo geral desta lenda foi extraído do livro Lendas Brasileiras: As mais famosas lendas contadas  pelo mais famoso folclorista brasileiro – Câmara Cascudo. Ediouro. Rio de Janeiro. 2000. O texto foi editado por Zezé Weiss, da Redação Xapuri.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

 

 

 

 

 

 

 

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