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Nada de novo…

Nada de novo…

Sim! Dois anos sem escrever minhas percepções do mundo indígena e do caos existencial não-indígena que nos cerca e sufoca a cada dia.

Por Jairo Lima

Dois anos!

Sim! Dois anos sem escrever minhas percepções do mundo indígena e do caos existencial não-indígena que nos cerca e sufoca a cada dia.

Não que eu tivesse algo útil de falar nesse período todo de silêncio literário, ou até mesmo imprescindível. Talvez uma opinião ou outra sobre particularidades que, talvez, não encontrassem eco ou reverberassem em meio a profusão de (des)informações que a cada dia nos cercam e azucrinam o juízo. Até mesmo, porque, nesse mundo de TikTok’s qualquer coisa que avance mais que um minuto em nossa atenção parece perder o sentido. Tudo acontece muito rápido, mesmo em meio a lerdeza que a pandemia no enfiou por dois anos.

Fiquei os dois anos de pandemia dando conta de questões profissionais e alguns labores musicais que se compensavam, evitando que eu caísse em algum estado letárgico de emoções ou, pior, fechasse-me em alguma opinião extrema e ultrapassada baseada em nostalgias inexistentes – Se é que me entendem. Pouco ou quase nada interagi nas mídias sociais, até porque as mesmas não estavam em calmaria, ao contrário, mais assemelhavam-se a um lago cheio de tubarões e piranhas.

Mas, a pandemia nos trouxe um campo fértil para observar as reações das pessoas, e no ‘mundo indígena’ e seus satélites não foi diferente. Das lives direto das aldeias à consolidação do ‘mercado xamânico’ esse período desencadeou uma nova dinâmica nessas relações.

Enquanto, num polo, muitos dos txai se resguardaram, buscando em seu isolamento manter-se, em primeiro lugar, vivos, comunicaram-se com o mundão através de lindas lives, dando esperanças e mostrando que ainda era possível sentir um pouco de alegria e conforto, noutro tivemos o escancaramento das práticas mais lesivas e criminosas daqueles que buscaram atingir somente o lucro, através da venda de produtos e acessórios usados pelos povos indígenas e comunidades tradicionais.

No mesmo Facebook em que nos emocionávamos com a apresentação dos queridos Yawanawá encontrávamos os detestáveis vendilhões não-índios, e um bocado de pajelantras ofertando até ‘kit haux’, uma nova maneira de ganhar money e papagaiar usando os conhecimentos indígenas. Enquanto íamos às lágrimas ouvindo o kanarô no face, no Instagram pinicavam ofertas de garrafas de ayahuasca, rapé com kambô e o escambau-a-quatro, assim como era fácil achar um bocado de gente fantasiada de indígena oferecendo seus serviços, em troca da tal ‘força de troca’, comumente conhecido como dinheiro, munidos de um tal conhecimento que adquiriram ou que lhes foi repassado e blá blá blá dando aos mesmos direito de extorquir aqueles tomados pela tristeza ou demais males da alma que ganharam força nos meses de isolamento pandêmico.

E eu ficava só de olho…

Pode-se até pensar: Poxa! Que maldade! As pessoas só querem ajudar umas às outras, isso é melhor que ver as pessoas irem bater às portas do Edir Macêdo! – Não concordo, até porque a comparação não se sustenta, pois, as carências que impele as tristes almas às portas do falso profeta são diferentes das que buscam contato ou imersão no mundo pluridimensional e multicultural do mundo xamânico.

Mas fazer o que né? Esses espertalhões que só visam o lucro usando o pouco que conheceram (mas não aprenderam) das culturas indígenas sempre vão existir, são como bichos-de-pé. O que não podemos é trocar o certo pelo duvidoso, ou seja, o real pelo falso, a fonte pelo ralo. A diferença entre a ‘medicina’ e a ‘droga’ está na intenção com que é utilizada ou oferecida, pense nisso.

Temos que parar de dar atenção a pajelantras ou pessoas usando os conhecimentos indígenas e darmos mais atenção à fonte primeva disso tudo, ou seja, os próprios povos indígenas, vendo-os não somente como uma sociedade alternativa onde podemos beber o chá sagrado, mas, sim, como um livro milenar que nos ensina a suportar as agruras da existência humana, afinal, enquanto muitos davam atenção aos monstros da alma durante a pandemia, ou assistiam as lives dos cantores da sofrência, povos como os Yawanawá, Shanenawa, Huni Kuin e outros nos enviavam mensagens de paz, resiliência esperança…

Kanaro tere te in te…

Jairo Lima é indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC, com especialização em antropologia. Atua há mais de vinte anos junto aos povos indígenas do Acre e desde 2012 é servidor da FUNAI, na região do Juruá, Acre.

Conheça a página do Crônicas Indigenistas no Facebook (clique aqui). Lá encontrará, além de nossos textos, várias e diversificadas informações. 

Imagem da capa do texto: Ion David.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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