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A paz de que o mundo precisa

A paz de que o mundo precisa

Normalmente, quando se fala em Paz, o que logo nos vem à cabeça são os conflitos internacionais, a voracidade bélica de blocos e países, as novas armas que surgem. Ou seja, falamos em paz pensando na guerra. Isso porque, nesse nosso mundo vasto mundo, o fato de não existir guerra nesse ou naquele lugar, não quer dizer que a Paz esteja reinando.

Por Jaime Sautchuk 

Em verdade, qualquer que seja o canto do planeta, para haver conflitos não é preciso metralhadoras, navios, tanques ou aviões. E a busca da Paz vai muito além dos embates diretos, pois tem a ver também com os direitos básicos do ser humano, no seu cotidiano da vida em sociedade.

De igual forma, as filosofias sobre a Paz não vêm de hoje. Nos anos 1500, o Padre Antônio Vieira escreveu em seus Sermões: “Não Há Paz no Mundo. Enchem a boca de paz, e não há tal paz no mundo. E senão, quem há tão cego, que não veja o mesmo hoje em toda a parte?

Dizem que há paz nos reinos, e os vassalos não obedecem aos reis: dizem que há paz nas cidades, e os súditos não obedecem aos magistrados: dizem que há paz nas famílias, e os filhos não obedecem aos pais: dizem que há paz nos particulares, e cada um tem dentro em si mesmo a maior e a pior guerra. (…) A paz do mundo é guerra que se esconde debaixo da paz. Chama-se paz, e é lisonja: chama-se paz, e é dissimulação: chama-se paz, e é dependência: chama-se paz, e é mentira, quando não seja traição”.

A Paz é pressuposto de boas relações entre as nações do mundo, mas deve existir de igual modo no plano internacional, nas sociedades, e mesmo entre as pessoas. O verso do cancioneiro popular de que “aqui na Terra só se pensa em guerra, matar o vizinho é nossa intenção” trata mesmo é da boa convivência humana em todos os níveis.

A Paz é um direito fundamental do ser humano. Esse enfoque na luta pela Paz no mundo não é novo. Seu principal objetivo sempre foi convencer a todos de que, na solução de conflitos, não deve haver vencedores nem perdedores. Uma dissensão só é bem resolvida quando todas as partes se julgarem satisfeitas.paz-lenny-silva

Um bom princípio é o de que a Paz deve suprir as vitais necessidades humanas. Sobrevivência, bem-estar físico, liberdade e identidade são primícias fundamentais para a humanidade gozar de uma Paz verdadeira e permanente.

Albert Einstein, em Como vejo o Mundo, compreende a ausência de Paz como um erro incompreensível de nossos antepassados:  “Tudo leva a crer que os estadistas atuais pretendem, na realidade, o objetivo de estabelecer uma paz duradoura. Mas o aumento incessante do armamento mostra com demasiada clareza que não poderão fazer frente às potências inimigas, que os impelem à preparação da guerra.

A meu ver, a salvação só poderá vir da alma dos povos. Terão de se declarar decididamente pelo desarmamento completo, pois, enquanto houver exércitos, qualquer conflito mais grave conduzirá à guerra. O pacifismo que não repudiar ativamente o armamento dos Estados é e será sempre impotente. Que a consciência e o bom senso dos povos despertem, para que possamos atingir um novo escalão na vida dos povos, do alto do qual a guerra pareça um erro incompreensível dos antepassados”.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, de 2004, fixa que “uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, comportamentos, tradições, atitudes e estilos de vida”.

Ao classificar os meios de aplicação dessas premissas, o documento sugere que isso ocorra em primeiro lugar “no respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação”.

Isso vale para as mais diversas situações. Serve para os conflitos internacionais, de qualquer dimensão, seja entre países ou blocos de países, seja nas disputas entre vizinhos, por questões de fronteiras ou étnicas. Na visão da ONU, também se aplica aos embates internos em países, especialmente naqueles onde regimes ditatoriais colocam o Estado contra seu próprio povo.

Mas há, de igual modo, os conflitos mais próximos de nós, em nosso cotidiano, sem que a gente saiba como com eles lidar. São abusos da polícia, dificuldades na locomoção para o trabalho, penoso acesso ao amparo legal, trabalho escravo, violência da pistolagem no campo, desmandos de traficantes, abuso sexual, agressões à mulher, barreiras que impedem o ir e vir de todos e todas, homofobia e assim por diante.

peacePra completar, é doloroso vermos com frequência conflitos entre os próprios cidadãos e cidadãs. Falta de respeito às pessoas com deficiência, discriminação racial, pouca paciência com nossos vizinhos, familiares, parentes ou colegas de trabalho, recusa de ajuda a alguém em dificuldade e agressividade no trânsito são alguns exemplos. Pontos de atrito não faltam, pois.

O tratamento desses embates exige postura diferente dos primeiros impulsos, que infelizmente são quase sempre agressivos. Seja do chefe de Estado, do comandante militar ou do cidadão comum. A afirmação de valores humanos na convivência social deveria se dar em casa, na escola, nos meios de comunicação, nas igrejas, em todos os lugares, enfim.

Deve haver, entretanto, um bom lugar para começar a exercitar a paz.

Mohandas Gandhi, in The Words of Gandhi, sugere: “Se queremos alcançar neste mundo a verdadeira paz e se temos de levar a cabo uma verdadeira guerra contra a guerra, teremos de começar pelas crianças; e não será necessário lutar se permitirmos que cresçam com a sua inocência natural; não teremos de transmitir resoluções insubstanciais e infrutíferas, mas iremos do amor para o amor e da paz para a paz, até que finalmente todos os cantos do mundo fiquem cobertos por essa paz e por esse amor pelo qual, consciente ou inconscientemente, o mundo inteiro clama”.

Jaime Sautchuk – Jornalista. Esta matéria é um legado de Jaime, fundador editor (in memoriam) da Revista Xapuri, falecido em 14.07.2021. Imagens: Shutter e Reprodução Internet. Capa: Luana Vieira Pereira, da Escola José Saturnino de Souza Oliveira, da Localidade de Pericó, no interior de São Joaquim, foi a vencedora do Concurso Cartaz sobre a Paz, com o tema “A Jornada da Paz”, promovido pelo Lions Clube. 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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