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Catracas para quê?

Catracas para quê? Foi numa tarde de agosto de 1990 que entrei num ônibus de Havana, no bairro de Vedado, rumo à Havana Velha, um percurso cansativo próximo de 15 quilômetros, mas bastante pedagógico.

Por Antenor Pinheiro

O amigo Elias estava comigo, e sempre mais esperto, entrou primeiro no coletivo e rapidamente acomodou-se no assento à frente. Foi quando se aproximou um cubano e educadamente abordou Elias cutucando-lhe pelo ombro: “compañero, usted se olvidó de poner la moneda”.

O jovem cubano, ao perceber Elias surpreso, apontou-lhe o recipiente metálico de moedas instalado junto à porta de entrada do ônibus, onde os passageiros depositavam qualquer valor como pagamento pela viagem.

Não havia catraca no ônibus, apenas aquele recipiente a aguardar o gesto cidadão que possibilitava a simbólica contribuição ao sistema de transporte coletivo de Havana. Elias, o esperto brasileiro, constrangido, levantou-se e foi ao encontro do “cofrinho” depositar “la moneda” lembrada pelo atento cubano, ao mesmo tempo usuário do ônibus e fiscal voluntário da coisa pública de seu país.

Cuba é um país de poucos recursos, não possui validadores de cartões magnéticos ou bilhetagem eletrônica, enfim, equipamentos de alta tecnologia destinados a recepcionar o pagamento pelas viagens coletivas urbanas como na maioria das metrópoles brasileiras.

Esse processo sofisticado que funciona por aqui, no frágil sistema de transportes de Havana se resume ao recipiente metálico (“cofrinho”) e, claro, no senso de responsabilidade dos cidadãos usuários.

Daí não haver também as conhecidas catracas instaladas em seus ônibus, afinal, para quê esse equipamento, se a educação na ilha é considerada a mais bem-sucedida da América Latina, como atesta o Banco Mundial (2014)? Certamente por isso, dispensam-se por lá as modernas tecnologias destinadas a impedir a ação de espertos, como o brasileiro Elias.

Logo, como se comprova, educação é lucro certo, em todos os sentidos. Como Havana, cidades europeias, americanas, canadenses, australianas e japonesas também dispensam catracas em seus ônibus. Apenas validadores magnéticos internos, os “cofrinhos” tecnológicos.

Para o funcionamento do sistema basta a consciência cidadã dos usuários, não há necessidade de dispositivos de contagem (catracas), que retardam embarques e limitam o fluxo interno de pessoas dentro dos ônibus, afinal, nesses países educação também é prioridade de Estado.

Nas cidades brasileiras a cultura da catraca nos ônibus ainda é uma dura realidade. Somos um país onde o senso coletivo, a solidariedade, a urbanidade, o sentido da escola e os valores morais ainda estão por vir – um eterno e inconcluso processo de formação.

São muitos Elias produzidos por insistentes usinas de alienação contínua, e isso requer profundas mudanças culturais. Ainda teremos de remediar por longos anos, comprometer recursos materiais em forma de investimentos para evitar evasões de “moedas” destinadas ao financiamento dos sistemas de transportes.

Por aqui, além das modernas tecnologias de validação de bilhetes, continuaremos precisando das catracas por conta de nossos baixos indicadores educacionais. Como se comprova, a ignorância encarece a vida.

Nesse contexto é preciso resgatar a experiência adotada na Rede Metropolitana de Transportes Coletivos de Goiânia. Realizada em dezembro de 2015, os gestores do sistema aboliram as catracas em 14 linhas por dois dias seguidos, mantendo-se os validadores.

O resultado foi alentador, pois 93% dos usuários validaram seus bilhetes ou cartões magnéticos sem que houvesse a catraca a lhes controlar. Mas ainda é cedo para aferir o grau de civilidade demonstrado, pois muitos dos entrevistados posteriormente alegaram surpresa, imputando ao automatismo rotineiro e à presença de fiscais uniformizados no interior dos ônibus seu inusitado   gesto cidadão.

Alguns entenderam que, mantida a supressão das catracas, os usuários não iriam consolidar seu comportamento cidadão. Ao contrário, iriam chancelar e repetir o exemplo do esperto Elias em Havana. Com a diferença de que por estas plagas não haveria o cidadão fiscal voluntário a lhes falar “compañero, usted se olvidó de poner la moneda”.


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