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Devastação prejudica biodiversidade do Cerrado

Devastação prejudica recuperação da biodiversidade do Cerrado
Por Anna Sophie Gross

  • Novo estudo descobre que áreas abandonadas no Cerrado brasileiro não recuperam sua biodiversidade nativa mesmo depois de 25 anos. O bioma já cobriu 2 milhões de quilômetros quadrados, mas sua rápida transformação em terra destinada ao agronegócio significa que menos da metade da vegetação nativa da região ainda sobrevive.
  • Pesquisadores testaram 29 trechos de terras do Cerrado que foram abandonadas por 3 a 25 anos e descobriram que a maioria das plantas e animais nativos não retornou ao seu habitat. Após quase 25 anos de abandono, a savana recuperada continuava a não ter 37% de suas espécies nativas.
  • O Código Florestal Brasileiro exige que pelo menos 20% das propriedades rurais privadas do Cerrado não sejam cultivadas. No entanto, o novo estudo aponta que a legislação não consegue atender seu objetivo de proteger e restaurar espécies nativas quando a terra conservada é alguma área degradada, já que a vegetação nativa não reaparece.
  • Os pesquisadores indicam uma forma de impulsionar a biodiversidade: usar queimadas como ferramenta de manejo da terra. Os incêndios são processos que ocorrem naturalmente no Cerrado. Essa destruição artificial permite que as árvores cresçam, reduzindo a biodiversidade. Assim, o restabelecimento das queimadas poderia ajudar a restaurar a vegetação nativa, bem como outras espécies.
Paisagem do Cerrado, conhecido por ter árvores esparsas ao longo de um gramado contínuo. Imagem: Alex Costa/Mighty Earth

Uma vez que o Cerrado foi transformado em pasto, ele não conseguiu recuperar totalmente sua flora e fauna originais, mesmo depois de ¼ de século, segundo as descobertas de um estudo recente. O bioma brasileiro do Cerrado, localizado ao leste e ao sul do bioma amazônico, já cobriu 2 mihões de quilômetros quadrados de território, mas sua rápida transformação imposta pelo agronegócio fez com que menos da metade restasse no presente. A vegetação e solo nativos da região são importantes para reter carbono e controlar o aquecimento global.

O novo estudo, publicado no Journal of Applied Ecology, testou 29 amostras de áreas do Cerrado, já usadas antes para fins de agricultura, mas que foram abandonadas por cerca de 3 a 25 anos. Os pesquisadores descobriram que não importa quanto tempo se passou desde que a terra foi cultivada pela última vez, pois as plantas e animais nativos não retornam para esses locais.

“A grande dúvida dessa pesquisa era, uma vez que a terra foi abandonada, se ela pode realmente ser restaurada” explica a coautora Giselda Durigan, do Instituto Florestal, de São Paulo, Brasil. “Demonstramos que é praticamente impossível”.

Pesquisadores descobriram que os pastos abandonados do Cerrado não recuperam sua biota, mesmo após 25 anos de restauração passiva. Imagem: Rhett A. Butler/Mongabay

As características principais da biodiversidade original da savana, que permaneceu a salvo das terras tomadas pela agricultura e abandonadas foram o gramado, as moitas e arbustos nativos – habitat extremamente importante que serve de alimento para uma infinidade de animais nativos, incluindo aves, lagartos, raposas, lobos e veados. Quase 25 anos depois do abandono, trechos recuperados do bioma continuam desprovidos de 37% de suas espécies nativas.

Os pesquisadores observaram que das 17 espécies de gramado registradas no habitat natural do bioma, apenas 3 foram encontradas nas áreas abandonadas. A grama nativa, que representava 23% da cobertura natural do Cerrado, foi reduzida a apenas 2% da cobertura vegetal de pastos abandonados, e dos 29 desses pastos que foram analisados, 22 não tinham nenhuma espécie de cobertura vegetal.

A maioria dos trechos abandonados que eram dedicados à agricultura apresentava um gramado “exótico”, invasor, importado originalmente da África nos anos 1970. Essas espécies geralmente expulsam e substituem a vegetação nativa porque elas são mais competitivas.

Esses resultados podem ser um mau sinal para a atual política ambiental brasileira: a principal razão para o abandono das áreas analisadas foi para que os proprietários das terras pudessem estar de acordo com a lei dedicada à conservação, o Novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso em 2012 e sancionado pelo Supremo Tribunal Federal em março. O Código exige que pelo menos 20% de toda propriedade rural localizada no Cerrado não seja usada para fins de agricultura, com a suposição de que esses pastos e plantações abandonados vão, ao longo do tempo, recuperar sua vegetação nativa.

O novo estudo mostra que esse não é o caso, mesmo depois de 25 anos de abandono, o que demonstra que o Código não está conseguindo alcançar seu objetivo de restauração do bioma.

“Mesmo que os esforços de restauração sigam a lei brasileira”, afirma Derigan, “a legislação não apresenta nenhuma explicação ou restrição sobre a qualidade dessa vegetação”.

Ela explica que a descoberta mais importante da pesquisa foi a de que, mesmo que os pastos abandonados se recuperem rapidamente, eles são mais pobres, em termos de valor e diversidade biológicos, do que os que originalmente eram encontrados ali.

Os pesquisadores sugerem três técnicas ativas de manejo para restaurar espécies nativas em áreas abandonadas: remover a grama exótica trazida da África; substituir essa grama por grama nativa; e atear fogo no habitat restaurado de savana a cada 3 ou 4 anos a fim de prevenir o crescimento de árvores e a criação de savanas invasoras. Imagem: Rodolfo Abreu, Universidade Estadual da Carolina do Norte e Giselda Durigan

A necessidade do manejo por meio de queimadas

O que torna o Cerrado, e outras savanas ao redor do mundo, ecossistemas tão únicos e importantes é que eles possuem um mosaico de flora e fauna em um habitat caracterizado por árvores esparsas e espalhadas ao longo de uma cobertura vegetal baixa, composta basicamente de gramado.

Se essa cobertura vegetal não for aparada por queimadas periódicas, essas savanas apresentam a tendência natural de se tornarem densas e se transformarem em florestas, perdendo, assim, muito de sua vida animal e vegetal, de acordo com os pesquisadores. Esse tipo de floresta de pouca diversidade é chamado de “floresta invadida”, e costuma ter cerca de 2/5 a menos de cobertura total do solo, menos da metade da riqueza de espécies da camada terrestre e cerca de 1/12 da cobertura vegetal nativa.

Desta forma, usar queimadas para reduzir a invasão é, às vezes, uma ferramenta eficiente para conservar a biodiversidade da savana.

A pesquisadora Giselda Derigan gerencia uma estação ecológica em São Paulo e testemunhou em primeira mão como a ausência de queimadas empobrece o habitat da savana. “Eu vi nitidamente minha estação perder a diversidade ao longo de trinta anos que trabalho aqui”, afirma. “Costumava ser uma espécie de mosaico e, agora, muitas espécies de lagartos, aves e mamíferos estão simplesmente desaparecendo – eles costumam ser endêmicos nas savanas, e agora não há um habitat para eles aqui”.

De acordo com os pesquisadores, a mesma dinâmica se aplica às áreas abandonadas. Se não há queimadas nelas, depois de aproximadamente 49 anos, a terra se torna uma floresta com pouca diversidade, ao invés de um matagal rico em biodiversidade. Portanto, parece sensato que a reintrodução de queimadas controladas nas terras abandonadas ajude a recuperar a biodiversidade de savana ao longo do tempo.

O Cerrado brasileiro é o lar de 60 espécies listadas como vulneráveis pela IUCN. Dentre os mamíferos estão a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, a onça-pintada, a anta, o cervo-do-pantanal, e o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus). Imagem: Jim Wickens/Mighty Earth

“Sem fogo, essas terras abandonadas não se tornam mais do que um Cerradão” afirma Derigan, fazendo referência a uma floresta de savana que é “pobre em diversidade de plantas e animais”.

Os pesquisadores destacam, no entanto, que se o objetivo da restauração não é apenas obter uma maior biodiversidade, mas também aumentar a retenção de carbono (a fim de mitigar ou retardar o aquecimento global), ou regenerar o solo de forma mais rápida, então a “restauração passiva”, que evita a prática de queimadas, pode ser eficiente.

Se o objetivo da restauração é a recuperação e manutenção do ecossistema natural da savana, então uma “restauração ativa” se torna necessária. Esse tipo pode variar em custo e esforços, que vai desde a remoção de árvores até o controle de gramado exótico e reintrodução de gramado e arbustos nativos.

Derigan delineou uma abordagem de três etapas para a restauração da savana em sua entrevista para a Mongabay:

“A primeira etapa é remover a vegetação exótica que foi trazida da África; a segunda etapa é substituí-la por vegetação nativa; e a terceira, e mais difícil, é reintroduzir as queimadas como ferramenta de manejo” afirma. “Se não queimarmos essas áreas a cada 3 ou 4 anos, elas vão se tornar terras invadidas”.

A aplicação desse processo de três etapas tem seus desafios: requer a transformação de uma mentalidade já bem estabelecida nos tomadores de decisão de enxergarem as queimadas como destrutivas, e enxergá-las como uma ferramenta útil para dar espaço ao ecossistema de savana no Brasil.

O uso histórico das queimadas para desmatamento a fim de criar novos pastos e plantações gerou uma percepção duradoura de que o uso do fogo é sempre danoso para o ecossistema. Essa visão, reforçada pela suposição de que as queimadas contribuem para a liberação de gases do efeito estufa, e, portanto, para o aquecimento global, contribuíram para a elaboração das atuais políticas brasileiras de extinção das queimadas.

Pelo contrário, afirmam Derigan e outros pesquisadores, os ecossistemas do Cerrado dependem de um regime de queimadas para manter sua estrutura e diversidade.

Vegetação nativa do Cerrado, moitas e arbustos são muito importantes como morada e alimentação para uma série de animais nativos que incluem raposas, veados, lagartos e pássaros. Imagem: Alex Costa/Mighty Earth

A necessidade de limitar o desmatamento

A nova pesquisa também demonstra claramente os impactos ecológicos irreversíveis do desmatamento e revelam, de acordo com Derigan, “que é fundamental pararmos de transformar o Cerrado em plantações de soja, milho e algodão e em pasto para gado”.

Uma abordagem de conservação ecológica mais eficiente seria proteger as partes do Cerrado cobertas por vegetação nativa, enquanto se usa as terras já degradadas para expansão agrícola. Mas essa abordagem bate de frente com o Novo Código Florestal, já que ele não diferencia vegetação nativa e áreas degradadas. Assim, a implementação dessa abordagem demandaria a revisão do Código para que ele fosse guiado por resultados de pesquisas científicas.

“Esse artigo é extremamente importante e conveniente”, afirma Lisa Rausch, pesquisadora da Universidade do Wisconsin que estuda os impactos da expansão agrícola no Cerrado. “Essas novas descobertas, que demonstram que a restauração nessas áreas abandonadas costuma manter a biodiversidade baixa na ausência de uma intervenção significativa, destaca os benefícios de se usar tais áreas para a expansão da plantação de soja enquanto se preserva o que restou da vegetação nativa”.

Essa estratégia de preservação apresenta uma relação de ganhos não somente para o Brasil: há meio bilhão de acres de terras degradadas ao longo da América Latina onde fazendeiros, grandes e pequenos, assim como empresas de commodities, poderiam expandir seus negócios sem sacrificar os ecossistemas nativos.

Referência

Cava MGB, Pilon NAL, Ribeiro MC, Durigan G (2018). Abandoned pastures cannot spontaneously recover the attributes of old‐growth savannas. J Appl Ecol55(1164–1172). https://doi.org/10.1111/1365-2664.13046

Imagem do banner: Gado na América Latina. Rhett A. Butler/Mongabay

O gado criado no Cerrado ajuda a matar a fome por carne do mundo desenvolvido. Os pesquisadores recomendam que ao invés de transformar a vegetação nativa do Cerrado em terras agrícolas, as áreas degradadas devem ser utilizadas para plantar culturas como a soja, algodão e milho, enquanto as áreas de vegetação nativa devem ser conservadas. Imagem: Rhett A. Butler/Mongabay

Fonte: MONGABAY -Jornalismo Ambiental Independente


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