Gaya
Por Reinaldo Bueno Filho
Dentre o caos, serpenteia além-tempo:
havia ali tanto, quando, na escuridão,
que deu a si mesma um clarão insano,
de varrer espaços, criar estrelas,
de amar planetas: cobrir-se deles, todos.
E com eles, seja-os: Gaya. A mãe amada.
A terra e a Terra em maternal contração
que suspendeu então à luz tudo mais:
desde a si mesma até o outro e o outro – e o outro mais.
Pode haver entre um e outro abismo
beirando o caos, como cais.
Mas, sobretudo, dentre ali reina o grão.
O grão que se cria. A vida: Gaya.
Mãe-Terra, tudo seu: desde Ísis a Bachue.
E todas as demais nuvens navegantes,
o fogo delirante, as lágrimas dos mares,
a calma e a força dos rios;
o telúrico o fez, o transforma,
o transborda, possibilita espaço, abraço.
Maternal, amoroso, de Gaya.
Tudo é seu, e somos todos dela.
É a mãe maior, a mãe que soma.
Que se fez da sombra, dando luz à luz;
quando nem mesmo a luz se conhecia,
ou via o tempo passar.
O tempo… girou em milhões
de luas
até chegar – a tempestade
do oitavo dia
recomeçar!
https://xapuri.info/pt-e-agora-psol-pede-que-tse-exija-acoes-do-whatsapp/
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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