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Quilombos e Quilombolas: Passado e Presente

Quilombos e Quilombolas: passado e presente

Quilombos e Quilombolas: passado e presente

Quem no Brasil não ouviu falar sobre quilombos? Muitos que passaram pelo ensino fundamental possuem, de certa forma, alguma lembrança desse tema das aulas de História, em que professores/as ensinavam, por meio dos livros didáticos, que nos períodos do Brasil Colônia (1500–1822) e do Brasil Império (1822–1889) existia a exploração do homem pelo homem, ou seja, a escravidão.

Por Carlos Alexandre B. Plínio dos Santos

Nesses dois períodos históricos, todas as atividades econômicas (o extrativismo, a mineração, a agricultura, a pecuária e os serviços domésticos) utilizavam-se da mão de obra negra escrava, e os indivíduos negros escravos que se negavam a ser explorados eram castigados e às vezes mutilados. Muitos escravos se suicidavam, e outros viam na fuga a única possibilidade real de liberdade, apesar das duras penas impostas a quem fugisse e fosse capturado.

Como o fenômeno da fuga de escravos era constante em todo o Brasil, em 1740, o Conselho Ultramarino – órgão do Império português – denominou quilombo “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”, e o escravo negro fugido era considerado quilombola.

Os quilombos, que eram formas de resistência ao regime escravagista, floresceram em todas as regiões do Brasil, próximos ou distantes das vilas e cidades. Muitos, além de acolher o negro escravo fugido, ou a negra escrava fugida, abrigavam também negros forros, índios, mulatos, caboclos, soldados desertores e outros indivíduos discriminados pela sociedade envolvente. Havia nesses quilombos uma economia própria baseada na produção agrícola, cujo excedente era, geralmente, vendido aos comerciantes das áreas urbanas.

Com o fim da escravidão, em 13 de maio de 1888, passados os primeiros dias de festividade, diversos negros, sem acesso à terra e sem indenização pelo tempo trabalhado de graça, por falta de melhores opções, voltaram para seus antigos ofícios. Entretanto, vários outros ex-escravos optaram por procurar trabalho em novas regiões, porém só acharam o subemprego e a economia informal.

Muitos quilombolas, agora ex-escravos, continuaram a viver nas terras que ocupavam, outrora denominadas de quilombos. Nessas terras, geralmente devolutas (terras públicas), reproduziram seus modos tradicionais de vida camponesa, sendo a terra a base de sua organização sócio-econômico-cultural.

Entretanto, no século passado, por causa do processo capitalista de exploração da terra, centenas de comunidades quilombolas foram expulsas de suas tradicionais terras e/ou as tiveram invadidas. Várias lideranças, chefes de família, foram ameaçadas e assassinadas por lutarem pela manutenção de suas terras.

Esse quadro começou a ser modificado no ano de 1988, ou seja, cem anos após o fim da escravidão, quando a Constituição Brasileira, mais especificamente o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu o direito dos remanescentes de quilombos à terra.

Como as sociedades não são estáticas, e sim dinâmicas, o termo atual de quilombo se refere não somente às comunidades que têm vínculo histórico e social com os quilombos conceituados classicamente pela História, mas também comunidades descendentes de escravos negros e ex-escravos libertos que em um território (em terras obtidas por meio de doação, de compra, ou da simples posse) desenvolveram um modo próprio de resistência e de reprodução social.

O QUE SÃO E QUANTAS SÃO AS TERRAS QUILOMBOLAS

As terras quilombolas, de acordo com o Decreto nº 4.887/2003, são aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, fatores que formam um território. Por isso, esse território, após a titulação coletiva e pró indiviso às comunidades, é inalienável, imprescritível e impenhorável.

Atualmente, existem em todo o país 2.474 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura que segue normas da Portaria nº 98/2007. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra, 2015), órgão responsável pela política de regularização fundiária dos territórios quilombolas, de 1995 até maio de 2015 foram expedidos 189 títulos para 142 territórios quilombolas, favorecendo 232 comunidades.

Mais especificamente, na região Centro-Oeste há 114 comunidades quilombolas registradas pela Fundação Cultural Palmares. São 26 no estado de Goiás, 22 no Mato Grosso do Sul e 66 no Mato Grosso. Delas, apenas cinco comunidades possuem o título definitivo de seus territórios, sendo quatro no estado do Mato Grosso do Sul e uma em Goiás, a Comunidade Quilombola Kalunga, da região de Cavalcante (Incra, 2015).

Nos últimos anos, mesmo com o aprimoramento dos dispositivos legais, que garante às comunidades negras quilombolas o direito à terra, percebe-se certa lentidão do Estado brasileiro em garantir de fato esse direito. Se essa letargia continuar, além de estimular novos conflitos, essas comunidades terão de fato seus processos fundiários no Incra concluídos apenas no final do próximo século.

Hoje, assim como foi no passado, as comunidades negras quilombolas, ao reivindicarem a regularização fundiária de suas terras, têm como foco principal o acesso à terra, a formação de famílias, a autonomia na vida cotidiana, o controle dos meios de produção e do processo de trabalho. Nesse sentido, terra, família e trabalho são os objetivos primazes e as bandeiras de luta dos quilombolas.

Quilombos e Quilombolas: Passado e Presente

COMUNIDADE QUILOMBOLA DEZIDÉRIO FELIPPE DE OLIVEIRA

Com o fim da guerra do Paraguai em 1870, a região sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul) recebeu forte migração de pecuaristas oriundos de Uberaba (MG). Pouco tempo depois, a intensificação do comércio de gado fez crescer o número de comitivas de gado que cruzavam os sertões entre aquelas duas localidades.
Em uma dessas comitivas teve início a história do ex-escravo Dezidério Felippe de Oliveira em terras sul mato-grossenses. Nascido em 1867, em uma fazenda escravagista de Uberaba, Dezidério era filho dos escravos Thomaz e Maximiana. De 1888 até 1897, Dezidério, já liberto, trabalhou como peão de fazenda e em comitivas de gado.

No ano de 1898, após chegar em comitiva ao sul de Mato Grosso, Dezidério resolveu ficar nessa região. Trabalhando como agregado em fazendas, conheceu e se casou com a ex-escrava Maria Cândida. Com o firme propósito de ter um pedaço de terra para trabalhar e cuidar da família, o casal, em 1907, tomou posse de terras devolutas localizadas na região de Dourados (MS). Nessas terras, onde nasceram seus 12 filhos, o sustento vinha da criação de gado, da roça e da extração de erva-mate, cujos excedentes eram comercializados.

Depois de 17 anos morando nessas terras, Dezidério requereu e recebeu o título provisório de 3.748 hectares. Para receber o título definitivo, ele contratou um engenheiro para realizar a medição oficial. Enquanto aguardava a regularização fundiária, Dezidério foi pioneiro de Dourados, tornou-se Inspetor de Quarteirão (subdelegado), lutou e foi herói na Revolução de 1924 e 1932. Porém, no ano de 1935, Dezidério faleceu.

Em 1938, após o registro definitivo das terras, foi realizado o inventário de Dezidério. No documento, foram destinados 3.148 hectares ao engenheiro que havia medido as terras, ficando 600 hectares para a família de Dezidério que, alegando fraude no inventário, exigiu várias vezes seus direitos na justiça, sem êxito.

Nas décadas seguintes, como consequência dos conflitos (ameaças e assassinatos) com fazendeiros, as terras do ex-escravo foram reduzidas para 40 hectares.
Presentemente, os 352 descendentes de Dezidério, entre os que moram nas terras e os que fugiram dos conflitos, se reconhecem mutuamente como integrantes de uma comunidade quilombola e lutam para reaver seu território original e nele trabalhar para a reprodução física e social de suas famílias.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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