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Ilha do Bananal: Vidas Originárias Ameaçadas

Ilha do Bananal: Vidas Originárias Ameaçadas Por Um Fogaréu Sem Fim

O país pega fogo, chuva distante, mas com sinais de que vem ajudar no tresloucado e bandido fogo da Ilha do Bananal, moradia de inúmeros indígenas. o avanço do agronegócio interfere de forma agressiva no ecossistema e amplia a vulnerabilidade a incêndios. Enquanto isso o Desgoverno tenta insistir que tudo vai bem em sua mundinho imaginário de ninguém

Por Nanda Barreto e Tiago Miotto, com comentários de Zezé Weiss

Setembro fechou sem chuvas. Outubro entrou com o país ainda em chamas por todos os lados, da Amazônia ao Pantanal, ao Cerrado, praticamente em todos os biomas brasileiros.

Em Goiás tem um ditado que diz que flor de cagaita não cai em terra seca. Aqui em Formosa, neste 4 de outubro, data de fechamento da edição 72 desta nossa Revista Xapuri, as cagaiteiras amanheceram abusadas de tanta flor. Há, portanto, esperança de alguma chuva.

Mesmo assim, os aguaceiros que possam cair daqui por diante, não excluem o dano causado pelo fogo em todo o Brasil, nessa trágica temporada de omissão e crime contra o meio ambiente e contra a própria vida no planeta Terra.

Um caso crítico é o da Mata do Mamão, na Ilha do Bananal, onde indígenas isolados foram cercados pelo fogo e, depois do fogo, assolados pelo fim da fartura queimada, pela presença ostensiva do agronegócio a fechar os caminhos ancestrais  de um povo que escolheu viver longe da raça branca que o dizima.

O texto que se segue é uma edição condensada, por limitação de espaço, de matéria publicada por Nanda Barreto e Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário. Recomendo a leitura do artigo na íntegra na Página do Cimi: cimi.org.br. Veja o extrato:

Um incêndio de grandes proporções está devastando, por dias, uma área no interior da Ilha do Bananal, em Tocantins. A zona mais afetada é conhecida como Mata do Mamão e engloba a região sul da Terra Indígena (TI) Inawebohona e uma pequena parte da vizinha TI Parque do Araguaia.

De acordo com Eliane Franco Martins, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Goiás/Tocantins (GO/TO), o local é conhecido como último refúgio de um grupo de indígenas em isolamento voluntário. “A confirmação da presença deles foi o avistamento em outubro de 2019, durante um vôo de helicóptero”. Na ocasião, pontua Eliane, o grupo também estava fugindo do fogo, conforme imagens amplamente divulgadas pela imprensa local.

Depois disso, segundo Eliane, uma decisão da Justiça Federal, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), determinou que o acesso à Mata do Mamão fosse restringido, obrigando a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) a apresentarem um relatório sobre a situação e as principais ameaças. “Quase um ano depois, praticamente nada foi feito para impedir a entrada do fogo”. Eliane recorda que, segundo os órgãos de fiscalização, um aceiro – espécie de clareira aberta para impedir a passagem do fogo – foi feito após as queimadas do ano passado. “Mas a recorrência do incêndio indica que essa medida não foi suficiente”, avalia.

PASTAGEM EXTENSIVA

 O missionário do Cimi GO/TO Carlos Almeida ressalta que o avanço do agronegócio interfere de forma agressiva no ecossistema e amplia a vulnerabilidade a incêndios. “A Ilha tem pasto nativo e os fazendeiros da região aproveitam esta condição para colocar o gado lá dentro, por meio da prática do arrendamento. Segundo a Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins, hoje a Ilha tem cerca de 100 mil cabeças de gado, com 344 ‘retiros’, que é como se chama as sedes improvisadas dessas fazendas arrendadas”, ressalta.

A suspeita é de que o fogo seja iniciado de forma proposital, com o objetivo de fazer a limpeza do pasto. No entanto, o risco de descontrole é sempre iminente e as consequências, devastadoras. “Faz três anos que os incêndios estão adentrando a Mata do Mamão nesta mesma época, diminuindo a umidade e ampliando o perigo”.

AMPLO VALOR SOCIOAMBIENTAL

Com área de cerca de 25 mil quilômetros quadrados, a Ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo. Ela está situada entre dois grandes rios: o Javaés e o Araguaia – nas divisas com Goiás e Mato Grosso – e integra os municípios tocantinense de Pium, Caseara, Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão e Marianópolis.

A ilha é uma das mais importantes áreas de conservação do Brasil, sendo que uma parte dela é parque nacional e a outra é TI. Além dos dois territórios citados – Inawebohona e Parque do Araguaia, ambos regularizados –, a Ilha do Bananal também abriga a TI Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna, que possui portaria declaratória e aguarda homologação.

Embora as demarcações não abranjam a Ilha do Bananal inteira, toda a faixa de terra cercada pelos rios é reivindicada pelos indígenas como território de ocupação tradicional. Do início de 2020 até o dia 23/09, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 1.255 focos de incêndio nestas três terras indígenas. Os dados são do satélite utilizado como referência pelo Inpe, o Aqua-MT, de propriedade da Nasa.

A TI Parque do Araguaia, a maior das três, registrou também o maior número de focos: 1.003. Em 2019, ela foi também a TI com a maior quantidade de focos de queimadas no Brasil. Em 2020, até 23/09, as TIs Inawebohona e Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna registraram, respectivamente, 184 e 68 focos cada. A maioria das queimadas identificadas pelo Inpe nas TIs da Ilha do Bananal ocorreram nos meses de agosto e setembro: foram 808 focos de incêndio apenas neste período, habitualmente mais seco.

O NPP-Suomi, outro satélite monitorado pelo programa Queimadas do Inpe, registrou vários focos de incêndio nas bordas da Mata do Mamão entre agosto e o dia 23/09. Operado pela Nasa e pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA, o sensor desse equipamento possui maior resolução espacial do que o satélite de referência do Inpe – o que significa que ele consegue captar frentes de fogo menores.

DEVASTAÇÃO INDUZIDA

Na terça-feira, 22/09,  o presidente da República  usou seu espaço na abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU para culpar “índios e caboclos” pelas queimadas e afirmar que o Brasil é líder “em conservação de florestas tropicais”.

Longe do retrato delirante pintado pelo presidente da República, contudo, as restrições orçamentárias, o desmonte dos órgãos de fiscalização e a retórica antiambiental do governo contribuem para que 2020 repita, com ainda mais gravidade, a temporada de incêndios que marcou 2019. Seis dias antes de encerrar, setembro de 2020 já registra uma quantidade de incêndios 42% maior na Amazônia, em comparação ao mês inteiro do ano passado, segundo os dados do Inpe.

No Pantanal, os 6.048 focos registrados pelo Inpe até o dia 24 já fazem de setembro o pior mês da história do bioma em relação às queimadas, afetando duramente diversas terras indígenas da região, localizadas entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As TIs Tereza Cristina e Perigara, do povo Bororo, e Baía dos Guató, em Mato Grosso, já tiveram mais de 80% de sua área devastada pelos incêndios, segundo levantamento da UFRJ.

No Mato Grosso do Sul, a TI Kadiwéu – localizada na transição entre o Cerrado e o Pantanal – já teve 206 mil hectares queimados, aponta o mesmo estudo. No Maranhão, segundo o Regional do Cimi que atua no estado, as TIs Alto Turiaçu, Krikati, Arariboia, Governador, Pindaré e Cana Brava também vêm sendo gravemente afetadas pelos incêndios.

As TIs Porquinhos, do povo Kanela Apanjekra, e Kanela, do povo Kanela Memortumré, também preocupam. Incluídas as áreas regularizadas e suas revisões de limites, ambas registraram 267 e 271 focos de incêndio até 23/09, respectivamente, segundo dados do Inpe.

Em mensagem do dia 24, a CNBB manifestou indignação: “Mesmo diante de tamanha destruição, o governo federal paradoxalmente insiste em dizer que o Brasil está de parabéns com a proteção de seu meio ambiente (…). Esta atitude encontra-se em nítida contramão da consciência social e ambiental, na verdade beneficiando apenas grandes conglomerados econômicos que atuam na mineração e no agronegócio”.

Nanda Barreto e Tiago Miotto – da Assessoria de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Com edições de Zezé Weiss – Jornalista.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
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