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Pedrinhas miudinhas

Pedrinhas miudinhas

Nas histórias que conto, por prazer e ofício, não cabem grandes batalhas, feitos extraordinários, líderes políticos, gênios da humanidade, efemérides da pátria e similares.

Luiz Antonio Simas via Romulo Andrade

Acontece que não me sinto confortável nos jantares requintados, dentro de ternos bem cortados, nos salões da academia ou nos templos suntuosos. Como diz um velho ponto de encantaria pra chamar os boiadeiros que moram nos ventos, “uma é maior, outra é menor, a miudinha é a que alumeia/ pedrinha miudinha de Aruanda êh !”. Eu sou maravilhado pelas pedrinhas miudinhas, nelas me vejo e delas faço meu pertencimento.

Interessam-me foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de várzea, clubes pequenos, putas velhas, caminhoneiros, retirantes, devotos, iaôs, ogãs, ajuremados, feirantes, motoristas, capoeiras, jongueiros, pretos velhos, violeiros, cordelistas, mestres de marujada, meninos descalços, goleiros frangueiros e romances de subúrbio, embalados por uma marcha-rancho que ninguém mais canta.
 
É pela aproximação amorosa, pelo ato de acariciar com devoção sagrada – amor, eu diria – as pedrinhas miúdas, que me ilumino no mundo. Os olhos brasileiros são os únicos que tenho para mirar os dias. É com eles que eu busco conhecer e, mais do que isso, me reconhecer na aldeia dos meus pais e do meu filho – terra das alegrias na fresta, das canções de gentileza e dos fuzuês onde, amiúde, não se imaginaria de tão escassa, a vida.
O resto são as coisas e pessoas poderosas – inimigas dos rios e das ruas – e suas irrelevâncias.
 
Pedrinhas miudinhas, ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros, 2019 
Luiz Antonio Simas –  historiador, professor e escritor carioca. Fotos: Romulo Andrade. 
 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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