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Almir Sater: Pantaneira paixão pela viola

Almir Sater: Pantaneira paixão pela viola

Almir Sater: Pantaneira paixão pela viola

O estudante de Direito estava sentado no Largo do Machado, centro do Rio de Janeiro, e apreciava uma dupla caipira, com violão e viola de 10 cordas, que tocava pra quem quisesse ouvir. Naquela hora, bateu a decisão. Não iria mais ser advogado, queria mesmo era ser violeiro.

Pegou suas tralhas e tomou o rumo de Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul, onde morava sua família, e lá chegou de supetão, pra espanto geral.

Foi assim que o pantaneiro Almir Eduardo Melke Sater deu rumo à sua vida, num gesto de aventura, mas de muita determinação. Ele sabia da distância que havia entre o rompante de um rapaz já passado dos 20 anos de idade e a realidade do mundo artístico, mas a decisão estava tomada.

É certo que ele já tinha uma vivência musical, a começar pelas aulas de violão que tivera na infância e adolescência, em colégio de padres salesianos. Era parte da educação assegurada por famílias bem situadas financeiramente, como a dele.

Contava, também, com o bom gosto musical de seus pais, que iam da MPB à bossa-nova e outros gêneros nacionais ao jazz e rock dos Estados Unidos, com recheios do erudito. Isso, no rádio ou na vitrola de casa, porque nas ruas, festas, bares e restaurantes da cidade o que reinava era o harpejo e os cantares do vizinho Paraguai.

Anos antes, ele próprio havia montado, com colegas do colegial, um conjunto que tocava músicas paraguaias. “Era uma brincadeira pra tocar em festinhas e na escola”, relembra Almir. O nome da banda era Tupiara, que eles haviam visto em uma placa de um centro espírita local, talvez uma influência do além, muito presente em sua vida.

Seu pai era filho de um paraguaio, descendente de sírios que haviam se fixado por ali, e sua mãe, também de origem árabe, era paulista de Santos. Em casa, essa influência era marcante principalmente na culinária, mas também na musicalidade.

O fato é que a influência musical de Almir Sater é, portanto, a mais eclética possível, uma baita miscelânea de ritmos e sonoridades. Mas havia, em meio a isso tudo, a viola-de-cocho típica de sua região de nascença e a viola de 10 cordas, de origem portuguesa, presentes principalmente nas áreas rurais.

Seu pai, que vivia de prestar serviços de contabilidade, era um homem de cidade, não queria saber da roça. Mas tinha irmãos e outros parentes que eram fazendeiros, viviam da agropecuária e moravam na zona rural. Visitar essa gente era o prazer maior do futuro violeiro, desde a infância.

Os sons da natureza, dos animais terrestres e pássaros, das águas, ventos e o tropel de cavalos. Também as pessoas e seus hábitos, tudo lhe dava sensação de bem-estar e vontade de reproduzir aquele contexto em melodias.

A música caipira, muito difundida no interior de São Paulo, chegava com facilidade às plagas sul-mato-grossenses e se fazia presente nesses ambientes rurais. O formato jeitoso e familiar do instrumento, o encordoamento de cinco pares de cordas de aço, a sonoridade estridente, com múltiplas afinações, eram um encanto.

Almir passou a estudá-lo com afinco, a tocar e compor. Chegou a formar uma dupla, com o nome de Lupe e Lampião, que durou o tempo suficiente pra que ele se tornasse conhecido na região como Lupe da viola.

Mudou-se pra São Paulo pra ter aulas com Tião Carreiro, tido como o maior violeiro de todos os tempos, que mantinha uma espécie de escola de viola. Carreiro era músico de mão-cheia, que ousara gravar vários discos só com solos de viola, compostos por ele, um feito raro.

Era, pois, o professor certo. E, pelo jeito, o aluno foi aplicado.

Corria a década de 1970. Na capital paulista, ele conheceu outros artistas, participou de festivais e abriu contatos com gravadoras. Gravou “Estradeiro”, seu primeiro disco, em 1981, e com ele se tornou conhecido nacionalmente, por programadores de rádio, produtores de espetáculos e, de quebra, por ouvintes.

Conviveu, também, com músicos como Paulo Simões, seu conterrâneo, Renato Teixeira e Sérgio Reis, que vieram a ser importantes na sua vida. Os dois primeiros por se tornarem seus parceiros prediletos, e Reis por tê-lo levado pra fazer novelas, na televisão, e por ter gravado composições de sua autoria.

Com Simões, mais o jornalista e crítico musical Zuza Homem de Carvalho, o maestro e violinista Zé Gomes e o fotógrafo Raimundo Alves Filho, promoveu a inovadora Comitiva Esperança. O projeto, executado à risca, era de percorrer todas as comunidades do Pantanal Mato-grossense num trabalho antropológico de registro daquelas realidades.

Em 1989, foi escolhido pela crítica pra participar da abertura do Free Jazz Festival, como cantor e compositor. Foi o primeiro estrangeiro a participar de um evento em Nashville, reduto da música Folk e Country dos Estados Unidos, promovendo o encontro da viola com o banjo.

Em 1990, porém, veio a sua consagração nacional. A TV Manchete resolveu tirar as novelas do eixo Rio–São Paulo e programou a histórica “Pantanal”, com roteiro de Benedito Rui Barbosa e direção de Jayme Monjardim.

Um dos personagens centrais da trama seria desempenhado por Sérgio Reis. No entanto, Reis disse que só aceitaria a tarefa se fossem contratados outros artistas, entre os quais Sater. E a ele foi dada a tarefa de interpretar Xeréu Trindade, um peão de boiadeiro e violeiro meio misterioso, místico, bem ao seu gosto.

Num dos ensaios antes de a novela ir ao ar, Monjardim, chegou com uma fita e a jogou no colo dele, anunciando:

– O Xeréu vai cantar essa música aí, pode ir treinando.

Assim, ele ouviu pela primeira vez “Chalana”, um de seus maiores sucessos, que muita gente acha que é dele. Mas é uma composição de Mário Giovanni Zandomeneghi, o Mário Zan, sanfoneiro nascido na Itália, que veio pro Brasil com 4 anos, virou paulistano por adoção e caipira por vocação.

Sempre que canta essa música em apresentações, Almir explica essa confusão de autoria. Na mesma época, porém, ocorreu outra coincidência que ele atribui a forças do além.

Ele havia estreitado os laços com Renato Teixeira, a ponto de passar a morar em São Paulo, numa casa próxima da Serra da Cantareira, região onde o parceiro já morava, fora do burburinho da pauliceia. E já faziam muitas músicas juntos.

Um belo dia, no entanto, numa sentada rápida, Almir fez a melodia e Teixeira foi colocando letra em “Tocando em Frente”, que se tornou um clássico da música brasileira. Nem eles acreditavam que algo tão bonito tenha saído tão rapidamente assim, como que caída dos céus.

O mais intrigante, porém, é que ao chegar em casa, na mesma tarde, toca o telefone. Almir atendeu e, no outro lado da linha, estava a cantora Maria Bethânia, musa com quem ele nunca havia conversado.

Ela pediu desculpas por ligar, mas disse que estava finalizando um novo disco e gostaria de incluir uma música dele, caso ele tivesse alguma peça disponível. E assim ela gravou “Tocando em Frente”, um estrondoso sucesso nacional na sua voz.

“Bethânia tem muita espiritualidade, só assim eu posso explicar o telefonema dela naquele exato dia”, repete Almir sempre que trata do assunto.

Ao longo dos anos, ele participou de várias outras novelas, em diferentes emissoras, como ator ou como compositor de músicas pra trilhas sonoras, sendo agraciado com muitos prêmios por isso. Desde 2006, contudo, não aceita mais fazer parte de elencos, conforme diz, pra se dedicar a shows e à sua família.

Hoje, ele tem três fazendas no estado, onde cria gado bovino e cavalos de modo sustentável, com respeito ao meio ambiente pantaneiro, que aceita no máximo seis reses por hectare, segundo ele.

Ele é casado há mais de três décadas com Ana Paula, publicitária e sua fiel companheira. Tem três filhos homens, todos músicos, mas apenas Gabriel, o mais velho, seguiu carreira como profissional.

Desde 2015, Almir roda o Brasil com um show em conjunto com Renato Teixeira e uma banda de dez músicos. Tudo de ônibus, pois ele defende que assim se conhece melhor o país. “Todos têm seu banco, que vira cama, e eu vou sempre na frente, ao lado do motorista, com a cortina aberta, pra ver os cenários”, explica.

No mês passado, ele e Renato ganharam o prêmio Grammy de música latino-americana, uma espécie de Oscar, o maior reconhecimento mundial na esfera musical.

Almir Sater dá a entender, assim, que a intempestiva decisão do estudante de Direito, nas ruas do Rio de Janeiro, devia ser, desde lá, algum sinal do além.


Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
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