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Graça Fleury: A educação por compromisso

Graça Fleury: A educação por compromisso

Dizem que após os 60 as pessoas ficam mais fechadas, sisudas, mas ela é um permanente sorriso. Dizem que após os sessenta as pessoas engordam e amolecem, mas ela é esbelta e firme. Dizem que após os sessenta as pessoas se tornam desleixadas no vestir e no fazer, mas ela segue elegante e aplicada…

Por Jaime Sautchuk

Falo de Maria das Graças Fleury Curado, ou Graça Fleury, mulher de muitos dotes, mas educadora por excelência, com a mente ligada nas futuras gerações. Nascida e criada em Goiânia, com muitas andanças pelo Brasil e exterior, ela tem orgulho mesmo é de ser cidadã da Cidade de Goiás, ou Goiás Velho, onde estão suas raízes.

Ela cursou o primário em escola pública, o ginásio com as freiras dominicanas e, após intercâmbio nos Estados Unidos, fez o secundário em química industrial, em curso profissionalizante. No entanto, a mãe não admitiu que fizesse estágio em uma fábrica de cimento no interior do Estado. Ela seria a única mulher entre centenas de trabalhadores. Não seria este um bom lugar a uma moça que tinha 12 anos de aulas de piano, solfejo e teoria musical no currículo, pensava a mãe.

Assim, Graça resolveu se casar, o que a manteria no ramo, digamos. O marido Alexandre, namorado de alguns anos, era funcionário da CVRD (Vale), de modo que foram morar por alguns anos em Vitória, no Espírito Santo, e depois em Itabira, em Minas, as principais bases da mineradora, à época.

O passo seguinte foi voltar à capital goiana, onde ela prosseguiu seus estudos, mudando de rumo. Cursou Letras na Universidade Federal de Goiás e fez mestrado em Psicologia da Educação na PUC local. E, no doutorado, na USP, em São Paulo, ela defendeu tese sobre o filósofo suíço Jean Piaget, revolucionário da pedagogia.

Ali, já se delineava seu futuro profissional. O tema a forçou a ir à Europa pesquisar em arquivos e visitar escolas. Tese aprovada, o próximo passo seria montar uma escola. Antes, porém, fez estágio com o professor e escritor Lauro de Oliveira Lima, respeitado educador que já mantinha um centro educacional dessa linha, no Rio de Janeiro.

Vencidas essas etapas, em 1980 Graça criou a Escola Piaget, inicialmente infantil, mas que hoje é um dos principais colégios de Goiânia. No começo, porém, ela teve que enfrentar a artilharia conservadora local, que criticava o feitio libertário, inovador, do seu centro de ensino. Mas ela rebatia com conhecimento, sabedoria e elegância, desarmando os incomodados.

Na defesa das liberdades, ela sempre evocou a memória de seu avô paterno:

“Vô Tonico era um mel para as crianças. Todos gostavam dele. Na Abolição, muitos escravos ficaram com ele, todos que ele podia arcar, mas outros acabaram ficando dentro de casa e nunca mais saíram… eu conheci a Pudina e suas filhas, descendentes de uma que não foi embora porque gostava dele.”

Em passado bem remoto, parte da família de Graça morava numas terras na estrada que leva ao morro da Igrejinha do Rosário, atração turística da Cidade de Goiás. É nesse local que ela mora hoje em dia, quando está na cidade. Transformou a casa antiga, tombada como patrimônio histórico, em pousada que leva o nome de D. Sinhá, sua avó.

Seu pai era funcionário público, procurador da Fazenda, e se mudou pra nova capital do Estado a trabalho. Por isso, ela nasceu, em 1953, e cresceu em Goiânia. Sua mãe era dona de casa, mas exercia na vizinhança seus predicados como enfermeira de guerra, pois esteve prestes a integrar as tropas brasileiras na 2ª Guerra, na Europa.

As diferenças entre a nova e a antiga capital são sempre marcantes nas reminiscências de Graça, a partir do próprio cenário topográfico:

“Sempre gostei da morraria, tão diferente da planura de Goiânia, dos rios, dos piqueniques que vovô fazia questão de fazer com toda a família no rio Bagage, com paçoca, muitas frutas, suas pedras. A Serra Dourada… (ai, que lindeza!)… mas mesmo vovô tendo lá subido muitas vezes, quando criança nunca fui lá… mas descontei depois de adulta.”

Vale dizer que a Serra Dourada é o resplandecente cenário de fundo da Cidade de Goiás, mas intransponível por aquele lado. Seu topo só é atingível por um caminho que se inicia a 40 quilômetros dali, no município de Mossâmedes, que fica na sua parte posterior.

Há alguns anos, Graça recebeu o título de cidadã honorária da antiga capital do Estado, o que apenas oficializou uma situação de fato. E foi também ali que, após separar-se do primeiro marido, ela conheceu o historiador Paulo Betran, com quem conviveu intensamente até o passamento dele, em 2005.

Ele foi passar uns meses no local com a finalidade de pesquisar arquivos e escrever o livro “Cidade de Goiás – Patrimônio Histórico da Humanidade”. Ao se aproximarem ocasionalmente, ele percebeu nela, segundo narrou, um profundo conhecimento da cidade, o que despertou uma forte amizade, logo convertida em sólido casamento.

Os dois dividiram a casa-biblioteca que Bertran havia construído numa antiga pedreira que comprara próximo à barragem do Lago Paranoá, em Brasília. Entre as melhores lembranças que ela guarda daquele espaço estão os momentos em que tocavam piano juntos, com ela lendo as partituras.

Ali, juntos também, criaram o Memorial do Cerrado, importante centro cultural, por resgatar a história da terra e do homem no Planalto Central do País. A começar por enormes reproduções de inscrições rupestres nos contrafortes.

Graça teve dois filhos, Vicente Augusto e Maria Paula, ambos com o primeiro marido. E criou uma neta, filha de Vicente, como sua própria filha, pois o pai separou-se da mulher e morou muitos anos no exterior. Hoje, ele é artista plástico e mora na Cidade de Goiás.

No momento, Graça está trabalhando na estrutura do Caminho de Letras, Árvores e Palmeiras. É um projeto de arborização e educação ambiental na sua chácara na Cidade de Goiás, pra que “a moçadinha de hoje aprenda um pouco das árvores, um pouco do Cerrado, um pouco da natureza, que é Deus em forma material”.

https://xapuri.info/elizabeth-teixeira-resistente-da-luta-camponesa/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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