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A corrida do ouro no Brasil Central

A corrida do ouro no Brasil Central

A corrida do ouro no Brasil Central

Durante a corrida do ouro – no Brasil Central, período que, de forma geral, vai, grosso modo, de 1722 a 1822, e conhecido como período colonial – todo garimpo, em princípio, transformava-se em um núcleo de povoamento urbano, cuja duração no tempo dependia exclusivamente da fartura com que a terra respondia às esperanças dos garimpeiros…

Por Altair Sales Barbosa 

Assim, no começo, segundo afirmam os historiadores, Goiás povoou-se e despovoou-se com o ouro. Um dos presidentes da então Província de Goiás – José Martins Pereira de Alencastre, que governou pouco mais de um ano, entre abril de 1861 e junho de 1862 – resume, em seus Anuais da Província de Goiás, o que foi a saga da corrida do ouro nos sertões goianos e tocantinenses no período colonial:

Um imenso lençol de ouro se desenrolava às vistas ávidas do mineiro ambicioso, e         suas esperanças eram satisfeitas, no início, sem quase trabalho e sacrifício. Mas foram poucos os anos de grandeza e prosperidade. O mesmo passou e à luz fugaz dessa transitória grandeza sucedeu o quadro mais contristador, o deslumbramento, porém, continuou por muito tempo ainda. A mineração era uma espécie de Saturno a devorar seus próprios filhos, era um simulacro desse louco trabalhar das Denaides, sem fim e resultado, porque sempre estava em começo. (Alencastre, 1979, p. 17,23).

Todos nós sabemos hoje o que representaram, em prejuízos para a natureza e para as pessoas, os estragos materiais e psicológicos que os garimpos, os antigos e os atuais, deixaram para trás.

Nem tudo, porém, é tristeza e constrangimento, porque, da atividade mineradora, nasceram ricos patrimônios arquitetônicos e urbanos como Villa Boa (atualmente cidade de Goiás) e Meya-Ponte (hoje Pirenópolis).

No seu rastro vieram outras relíquias, que tiveram vida longa ou efêmera: Santa Cruz, Pilar, Cavalcante, Chapéo (hoje Monte Alegre de Goiás), Flores (de Goiás), Crixás, São Domingos, Bom Fim (atual Silvânia), Santa Luzia (hoje Luziânia), São José do Tocantins (rebatizada com o nome de Niquelândia), Corumbá de Goiás, Caldas Novas (que nasceu ao lado de fontes termais), Santo Antonio do Descoberto (que se chamava Montes Claros), Trayras (que hoje não passa de ruínas abandonadas e até trocou de nome,  conhecida atualmente por Tupiraçaba, hoje um mero distrito quase despovoado de Niquelândia), São Félix (cujos testemunhos de existência não resistiram ao tempo, apesar de ter existido ali uma casa de fundição, o que lhe conferia um status de arraial importante), Jaraguá e certamente muitos outros que tiveram vida curta para durar no tempo, como os arrais de Maranhão, em Goiás, e Pontal, no Tocantins.

Do lado tocantinense, sobreviveram ao tempo, dentre outras cidades, Arrayas, Barra da Palma (atual Paranã), Conceição (do Tocantins), Natividade, Chapada da Natividade, Príncipe (hoje Chapada de Areia), Dianópolis (ex-Duro – que não nasceu propriamente do ouro, mas sim de  um aldeamento de índios que atormentavam os garimpos), Monte do Carmo e Porto Nacional (antigo Porto Real), esta última funcionando como cabeça-de-ponte de navegação e de controle de passagem de pessoas que buscavam as minas do norte da Capitania.

A saga era contada de muitas maneiras, e as histórias de decepções e frustrações são muito mais trágicas e mais numerosas que as de alegria proporcionada pela ilusão do enriquecimento fácil. Como dizíamos, os lugarejos iam surgindo, mas a maioria não passava de simples aglomeração de palhoças sem nenhum conforto, em que o nome “urbano” também não passava de um eufemismo, dada a falta sistemática do que se poderia chamar de “equipamentos urbanos”: arruamentos regulares, construções mais sólidas, administração, serviços urbanos banais, etc.

Assim surgiram Anta, Curriola, Pontal (provavelmente, o primeiro sítio do que seria o arraial de Porto Real, à margem esquerda do rio Tocantins), Pontal da Natividade (próximo à confluência do rio Manoel Alves com o Tocantins).

Outros desses aglomerados não passam atualmente de lugares abandonados ou em completa ruína – Trayras (que foi, ao lado de Villa Boa e Meya-Ponte, um dos mais importantes arrais do ouro de Goiás), Ouro Fino (Itaiú), Ferreiro, Cocal, Água Quente, Lavrinhas, Amaro Leite (cuja sede foi transferida para a atual cidade de Mara Rosa, à margem da rodovia Belém-Brasília), Santa Rita (hoje chamada de Jeroaquara, distrito de Faina), a outra Santa Rita (distrito de Niquelândia), Muquém (lugar de peregrinação em homenagem à padroeira de Goiás, Nossa Senhora D´Abadia) e muitos outros, cujos nomes e lembranças desapareceram para sempre do imaginário popular no Centro-Oeste brasileiro.

Apesar dos problemas existentes – o isolamento geográfico, os “Sítios Impossíveis” em que esses arraiais se erguiam, por razões óbvias, próximos às minas – no interior do Brasil, nas capitanias de Minas (Minas Gerais – Goiás-Tocantins e Mato Grosso-Mato Grosso do Sul), a mineração foi a atividade que maior influência exerceu sobre o aparecimento das cidades no período colonial.

A fisionomia urbana das cidades nessas áreas era praticamente a mesma, principalmente em Goiás-Tocantins e em Mato Grosso: uma grande praça no centro, com uma igreja matriz ocupando um lugar de destaque, as ruas geralmente tortuosas, decorrentes do relevo acidentado, predominante nas regiões auríferas.

Do lado goiano-tocantinense, excetuando-se a Villa Boa (a Goiás Velha, antiga capital) e a Meya Ponte de outrora (a atual Pirenópolis), os arraiais não passavam de pequenas aglomerações com pouco mais de uma centena de casas. O elemento que mais os diferenciava das outras cidades modernas é a sua arquitetura colonial. Geralmente, ao redor da grande praça, eram construídos, além da igreja matriz, os edifícios públicos e as casas burguesas, sobretudo em forma de sobrados.

casas da classe, digamos, média, ficavam mais distantes; eram baixas, normalmente geminadas, cobertas de telhas comuns, pintadas a cal, com janelas enfeitadas com folhas de malacacheta (mica). Mais afastado do centro da cidade, o habitat deixava de ser arquitetural para transformar-se em miseráveis habitações de taipa e de terra batida, cobertas com folhas de palmeiras ou com sapé, que abrigavam as classes pobres ou escravos alforriados. Eram as autênticas favelas coloniais.

Naquela época, a ocupação do espaço urbano obedecia à mesma lógica da segregação espacial presente nas cidades atuais. Tomemos o exemplo de Goiânia: ao redor da Praça do Bandeirante fica o centro comercial e financeiro; um pouco mais afastado, formando anéis urbanos, estão os bairros burgueses e ricos; mais distante, brotam e multiplicam-se os bairros e conjuntos populares, constituindo a periferia proletária. Aliás, praticamente toda cidade hoje, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, tem esse arranjo espacial, apesar da existência de numerosos condomínios fechados de luxo disputando os espaços urbanos periféricos com as populações proletárias.

Ao se observarem o mapa das cidades goiano-tocantinenses surgidas no século XVIII, verificam-se que as que nasceram do ouro, paradoxalmente, estão, em sua maioria, situadas nas regiões mais pobres e mais despovoadas de Goiás e do Tocantins, no vale do rio Tocantins e de seus principais afluentes – rio Paranã, sobretudo – e aos pés da Serra Dourada, em volta de Vila Boa. Após o esgotamento das minas, muitas delas passaram de relativamente prósperas a decadentes.

Em Minas Gerais, como se sabe, o barroco da arquitetura das cidades coloniais era bem mais exuberante e mais rico, porque o ouro foi aí também mais abundante. Ali nasceram as mais expressivas joias da arquitetura barroca que o ouro pôde construir: Ouro Preto (a antiga Vila Rica, capital da capitania), São João-Del-Rey, Sabará, Mariana, Caetés, Diamantina (a cidade da lendária Xica da Silva e que produziu mais diamantes que ouro), Tiradentes, Congonhas, para citar apenas as mais importantes.

Altair Sales Barbosa
Doutor em Antropologia. Pesquisador do CNPQ

https://xapuri.info/elizabeth-teixeira-resistente-da-luta-camponesa/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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