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Belo Monte

Belo Monte

Enoque Oliveira  de forma poética, remonta à história e traz a lutas de Canudos, do santo e profeta Conselheiro e nos mostra que o Nordeste ainda e é vítima do preconceito e da ganância dos poderosos e do desprezível abandono

Quando a dor insultou o Nordeste, ávida

grassava a miséria nas carnes lépidas das massas,

Canudos vazou de raiva

sacudindo revolta

nos jiraus do sertão.

Ali está Antônio Vicente

o santo Conselheiro

armado com seu terço,

profetizando conselhos divinos,

revoltando montes, vingando a terra grilada

quando de preces havia excedente no céu!

Eram moitas de gente, eram mais

do que esperou a caatinga em lágrimas,

eram aspirações dos secos campos de delírios,

rios de pontiaguda rigidez da sorte

que pelo Norte o sertão desfolhou,

unificadas agora

em levantes de sublevados da Pátria,

açoitando o atraso

da ordem dos alugadores da terra

do senhor Javé.

Para eles ó, Belo Monte, deves perecer

qual nada se só fosse desaparecer

dos galhos de árvores

para não desonrar a história burguesa!

Decapitaram a tua ira,

inundaram roças que amamentavam um povo irmão.

Nas carnes das crianças virgens,

agora alimentadas com o poder da igualdade,

sangraram a estupidez

como guerreiros da antiga Arena

dividiam no cálice o sangue dos inocentes prisioneiros

e bebiam sem piedade,

chacina cultural

do coronelismo sem alma.

Sobreviveu da tua comuna de sonhos

somente água, que mais acho?

Na madrugada fúnebre da degola

deves sumir, para além de sucumbir

em cada óvulo da memória

de quantos na Sub-América, com saudade

lembraram de ti.

E tu, cadáver asceta

arrancado da cova, decepado

qual Cristo pelo espírito levantado

do leito do Vaza-Barris, sobrepujarás tua glória.

Cremos que, algum dia, será limpa

a Avenida Paulista

graças aos exércitos de retirantes

mendigos, pivetes, migrantes

“Invasores da Sé”.

Virão outros Santos Dias, certamente,

quebrar tua indiferença nipo-ianque,

transformando-te numa cidade

brasileiramente

feliz.

Depois, muito depois,

sem casa, sem forças, movidos pela sem-solução,

retornam à terra de origem

mutilados

feito cabras desvirgem,

ratificando o testemunho da miséria crônica

no Norte como no Sul

ceifando a vida

inutilmente.

O cativeiro do sul,

se não mata

pela vontade imaculada

pela sede e pela fome,

mata de medo (desprezível abandono)

indivisível.

Enoque Oliveira – Poeta.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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