Marreco à cabidela
O discurso foi mesmo de candidato a presidente da República. Fala bem articulada que durou uma hora quase cravada. Já até me acostumei com o grasnado que tornou famoso seu epíteto de “Marreco”.
Moro não pode ser desprezado, como desprezamos (eu também!) o ogro que hoje nos desgoverna. Vem com respaldo do governo estadunidense e apoio da grande mídia – Rede Globo à frente.
Pense num sujeito rasteiro. Dissimulado, falso, fingido. Digno desse meu excesso de pleonasmo, pelo qual peço escusas ao distinto leitorado.
Fala em inclusão social, geração de empregos, erradicação da pobreza, como se nada tivesse a ver com o cenário de terra arrasada que ele e sua OrCrim da Lava Jato nos legaram.
Essa gente largou carreira das mais valorizadas, que lhes garantia altíssimos salários, vitaliciedade e outras garantias de liberdade funcional, para se aventurar no terreno movediço da política institucional. Deixaram o “partido judicial” que bem poderiam chamar de “Podemos Tudo” para, em regressão, filiarem-se ao só “Podemos”. Ali adiante vão acabar percebendo que foram tragados para o buraco do “Nada Podemos”.
Ou entendo. Sabem que serão alvos de tiros, porradas e bombas de todos os lados na campanha presidencial que se avizinha e que não terão quem os defenda. Então, vão eles mesmos dar a cara a bater. Melhor assim. Que saibam que vão apanhar a não mais poderem.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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