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Fake news

Um olhar para as eleições do Brasil a partir das ‘Fake News’

O que Guariba, no Piauí, Ramallah, na Palestina e Berlim, na Alemanha, têm em comum?

Um olhar para as eleições do Brasil a partir das ‘Fake News’

 

Fake news

A contaminação do Whatsapp nas eleições brasileiras é bem identificada por qualquer pessoa que tenha a curiosidade de buscar pelos grupos que estiveram ativos durante o processo eleitoral. O Prof. Benevuto e seus colaboradores, do projecto Eleições sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, não se cansaram de informar que o aplicativo é uma “terra sem lei” um tanto desconhecida e que ainda não se conseguiu desenvolver mecanismos que possam mitigar os efeitos das conhecidas Fake news. Contudo, de acordo com as comunicações realizadas nacionalmente e internacionalmente, apesar da aparente desordem do whatsapp, os envolvidos no projeto realizaram propostas concretas para diminuir o seu impacto sobre a população: restrição de encaminhamento de mensagens, restrição de transmissões e limitar o tamanho dos grupos. De acordo com a coordenação do projecto  “o WhatsApp” não implementou as sugestões simplesmente porque não quis. Porque além de entrarem em contacto com a empresa administradora do aplicativo, o “Eleições sem Fake” deixou o WhatsApp ciente das propostas encontradas e, com base em um caso parecido que houve na Índia, onde a empresa implantou mudanças em apenas “poucos dias”, não haveria impossibilidade técnica para implantação das sugestões. Contudo, além do WhatsApp desconsiderar as sugestões e a factualidade de suas implementações, também não foi levado em conta que a preocupação da equipe do projecto da UFMG não era diferente do órgão responsável pelas eleições no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral-TSE. Ancorados na evidência das Fake News” como arma política o TSE realizou diligências tanto para investigar esse tipo de notícia no Facebook quanto para o cerceamento de funções de empresas contratadas para divulgação de “mensagens falsas” pelo WhatsApp. Deste imbróglio que envolve empresa transnacional, investigação científica e instituição do governo, percebemos  que o WhatsApp poderia ter implantado modificações com sustentabilidade técnica/jurídica. Mas ao optar pela pura e simples negativa, concluímos que o aplicativo pode até ser uma “Terra sem Lei” mas não é uma “Terra sem Ordem”.

O aparente “caos” ou, quem sabe, a visível condução das mensagens do WhatsApp estimularam a curiosidade de muitas pessoas,  “Afinal, o que se passa aqui?”.  A incursão no “submundo do WhatsApp brasileiro” verificou que enquanto do lado bolsonarista havia um pulsar caótico de quase mil mensagens por dia, todas misturadas, desde “orações a sondagens verdadeiras e falsas”, do outro, a discussão estava mais controlada, girava em torno de 100/dia e os assuntos abordavam materiais que contra-argumentavam os grupos bolsonaristas e temas adjacentes aos direitos humanos. Em 20 dias num grupo de WhatsApp temos a chance de ler algumas das mensagens que eram trocadas entre os apoiantes de Bolsonaro, nos idos anos de 2016, e saber que o único apoiante que considerou repulsiva a homenagem ao torturador Brilhante Ustra, que externou um singelo “o deputado Cagou pela boca”, foi expulso do grupo e que o atual Direitas Já! é uma evolução marketeira do original Direita Opressora.

A despeito da influência externa ao Brasil e das mensagens falsas, ainda vemos canais que acham oportuno lembrar o resultado quantitativo dos votos. Na imprensa alemã, a chamada “O que está acontecendo com os brasileiros?” relembrou as alternativas fascistas emergentes e como o resultado do Brasil arrepia os pelos daqueles que se lembram do crescimento de partidos ligados a extrema-direita e a ideias nazistas, como o AfD (Alternative für Deutschland: Alternativa para a Alemanha). A eleição, como o resultado da manifestação da vontade d@s brasileir@s, também foi lembrada em Portugal e de maneira a desdramatizar o seu resultado. Até o “príncipe” e ex-presidente do Brasil achou importante lembrar que Bolsonaro venceu pelo voto. Ora, acredito que ninguém gastará tinta ou papel para constatar que 57,4 milhões de votos é maior que 47,0. A lembrança da contagem de votos não é a questão e esse argumento somente acha quórum à direita e sob o cinismo de o utilizar sem buscar entender as influências que conduziram o processo eleitoral.

Aparentemente, os acontecimentos no Brasil são reflexo do Guião de Steve Bannon utilizado por Trump e outros governos emergentes de um ciclo reacionário global.  Steve Bannon é o “operacional político mais perigoso do mundo” envolvido diretamente na campanha de Trump, de Bolsonaro e a planejar a fundação da Universidade do Populismo em Itália. Seguramente, faz parte do Guião de Bannon a transmissão das notícias falsas que tem o objetivo de gerar, no mínimo, confusão. A orquestração de uma campanha perpassa, então, a produção e divulgação das notícias falsas. No entanto como algumas das notícias produzidas são demasiado forçadas, elas não encontram recepção na mídia tradicional. Assim, as mídias sociais, em especial Facebook e WhatsApp, emergem como a “Terra prometida” para a divulgação deste tipo de notícias. Como o Facebook foi abalado pelo caso da Cambridge Analytica  que o obrigou a realizar uma reestruturação no controle da circulação das mensagens, o WhatsApp é a promessa de uma “Terra sem Lei” e a realidade de ser o aplicativo de preferência para  96,2% dos usuários de smartphones do Brasil.

Pronto! Identificado o porquê de se utilizar o WhatsApp como veículo principal do guião e principal fonte de influência da campanha de Bolsonaro podemos olhar um pouco para a mídia tradicional. No Brasil, a Empresa Brasileira de Comunicação-EBC é “uma empresa pública criada em 2007 para contribuir na construção da cidadania” com a função estratégica de promover a integração nacional. Apesar da EBC receber críticas de diferentes matizes e não ser citada em muitas publicações que divulgam a audiência das emissoras, ela foi um dos primeiros focos de atenção do Governo Temer que,  além de providenciar a troca de direção da empresa se esforçou em impingir informações falsas que, rapidamente, foram confrontadas e levadas a um debate público, na Câmara dos Deputados do Brasil, com o foco na importância de garantir a autonomia da EBC como uma das garantias para a Democracia.  Afora dos esforços empreendidos, o governo Temer alterou a estrutura e as regras para nomeação/exoneração da diretoria da EBC e consolidou a mudança pretendida. A intervenção na EBC foi um desdobramento do golpe presidencial de 2016.  Em 2016 o Fórum Nacional para Democratização da Comunicação, por meio de seu veículo Mídia com Democracia, tem como chamada de capa o golpe midiático que estava em curso para a tomada do poder da então presidenta Dilma. Não por acaso, apesar de a frase indicar o envolvimento dos grandes meios de comunicação a imagem que se tem é a da rede Globo. A rede Globo é um conglomerado empresarial de comunicação que atua politicamente em todos os momentos históricos do Brasil e em um discurso pró-mercado. A sua influência não encontra similaridade no mundo e, no nosso país, é a fonte primária de informação que interfere no cotidiano da população brasileira. Seu envolvimento político e tentativa de controle de massa é conhecido internacionalmente. Um exemplo do envolvimento político da emissora refere-se ao seu apoio ao Golpe Militar de 1964. Mesmo diante das primeiras vozes que se levantaram para denunciar o envolvimento da rede Globo no Golpe e o projeto Memórias Reveladas, em 2009, somente após quase meio século, e por causa do ensurdecedor brado “A verdade é dura, a Globo apoiou a Ditadura!” em 2013 a emissora fez o  reconhecimento público de seu apoio ao golpe militar de 1964. Com esse histórico devemos esperar que pelas próximas décadas não haverá qualquer menção da emissora sobre as denúncias de seu apoio ao golpe parlamentar de 2016, o seu jogo de aproximação com Bolsonaro e, inclusive, sua irreparável produção de notícias e memes para os grupos de WhatsApp. A perturbação criada pela mídia tradicional e “social” demonstra que os resultados das eleições brasileiras são um reflexo de uma grande manipulação de forças que colocou as pessoas umas contra as outras, gerou desconfiança entre familiares e, por isso e apesar de insinuações um tanto grotescas, não temos uma maioria fascista. Sobre isso há um texto que vale uma leitura:   Sua Tia não é fascista ela está sendo manipulada.

Tudo bem! Vamos aceitar que algumas pessoas, por algum motivo que desconheço por completo, acham bonito bater no peito e dizer: Eu sou facista! Sem qualquer vergonha e longe da terra brazilis. Tirando situações semelhantes e que são verdadeiros pontos fora da curva, se a mídia e os veículos de comunicação contribuíram para um direcionamento de nossas decisões, como explicar a existência daquelas pessoas que conseguiram escapar do controle midiático?

Ao vermos o mapa das eleições de 2018, logo percebemos que não houve unanimidade entre as cidades de qualquer estado brasileiro e que a concentração dos votos de Bolsonaro estão nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e parte do Norte. As demais são áreas de concentração de Haddad. Apesar de não haver qualquer unanimidade, notamos que das quase 120 cidades que possuem percentuais de aprovação do candidato acima de 90%  apenas uma, Nova Pádua, no Rio Grande do Sul,  surge com 92,96% dos votos para Bolsonaro. Das 119 cidades com os maiores percentuais de votação a Haddad, no topo da tabela, com 97,99%, encontramos a cidade de Guaribas no Piauí. Os dois extremos dão pistas para conseguirmos algum entendimento sobre as influências na votação para além da mídia.

Nova Pádua é um município do RS cuja colonização iniciou-se por volta de 1880 com a chegada de colonos italianos. Seu nome deriva-se da cidade de Pádua, em Itália. Sua economia concentra-se na agricultura, é dinâmica, activa e faz com que o município seja pertencente dos 10 maiores índices de desenvolvimento humano (IDH), 0,832, do Brasil. Por outro lado, Guaribas faz parte de um processo de colonização realizado por fazendeiros e oportunistas que adentravam no sertão Piauiense para expulsar os índios e promover a fixação a terra. O nome da cidade é uma derivação do nome dos primeiros proprietários da fazenda que cobria o terreno que hoje é a cidade e o nome da espécie de macaco típica da região, Guariba. Possui uma economia baseada na roça e até 2003 era a cidade com o menor IDH do Brasil. Acostumada ao esquecimento secular, em 2003 foi tomada como base para o lançamento do programa Fome Zero. No período de 10 anos a cidade renovou-se e conseguiu abandonar o título do município mais pobre do Brasil. Apesar dos extremos cardinais, uma no Norte a outra no Sul do Brasil, e suas diferenças estruturais que nos faz entender os motivos que justificam o resultado de Bolsonaro ganhar nas cidades mais “brancas e ricas” e Haddad ganhar em 98% das cidades mais pobres do país, o mesmo cinismo do argumento sobre os números da votação justificam esses resultados pela falação que as eleições são influenciadas pelos “programas do PT”. Esses são, nada mais, que programas de transferência de renda como, por exemplo, o Bolsa Família. Mesmo que esses programas sejam comprovadamente efetivos a longo a prazo e tenham tirado milhões de brasileiros/as da miséria, a rédea rentista da mídia não perde fôlego em repetir o mantra que os programas são uma estratégia para cativação dos votos e “coisa de comunista”. A estrutura social que ensina que “o que é público é ruim” e separa desfavorecidos de um lado e (super) favorecidos do outro, não dá condições para o cidadão perceber as influências que recebe diariamente. Se, ainda, fizermos um rápido exercício em perceber que o adulto, ao conseguir uma maior posse financeira, na sua intenção de se manter informado, vai para o trabalho ouvindo a rádio CBN, no almoço vê o Jornal Hoje, a noite o Jornal Nacional e ainda lê a Época semanalmente, de maneira voluntária se abraça com o conglomerado Globo e seu discurso pró-mercado. E, neste exercício, podemos até entender o porquê deste adulto que cresceu a frequentar escolas particulares para fazer a universidade pública (uma das raras exceções da qualidade do serviço público), contou com o apoio da família para estudar para concurso e logrou esse resultado sob a condição de cotas para deficiente, acredita na Meritocracia e no Estado Mínimo. Se o meio brasileiro conduz as pessoas para desconexões com a realidade, a verdade, as experiências e a própria vida, podemos levantar um pouco a cabeça e ver o resultado das eleições fora do Brasil.

Nas últimas eleições, quase um milhão de brasileiros/as estavam aptos a votarem no exterior. Se considerarmos os resultados das eleições nos postos de votação com mais de 100 pessoas temos dados que nos ajudam a alargar o debate noticioso sobre as eleições. Das dez primeiras cidades que votaram em Bolsonaro, quatro estão nos EUA. A presença das cidades estadunidenses é marcante nas primeiras posições. Também o Japão assume logo as primeiras posições, com três cidades entre as dez primeiras, e vemos que as cidades de países vizinhos como Paraguai, Venezuela e Bolívia também assumem o topo do ranking. Por outro lado, a primeira cidade da Europa a surgir na tabela de votação de Bolsonaro, com 71,3% dos votos, é a cidade Portuguesa de Faro. Não é surpresa que as cidades dos EUA e de Portugal estejam entre os maiores índices de aprovação a Bolsonaro, nos continentes a que pertencem. Afinal, é de Lisboa e Boston que surgem grande parte das Fake news replicadas nas eleições brasileiras.

Em uma linha totalmente oposta, a votação de Haddad no exterior não houve concentração em qualquer país. As dez primeiras posições de Haddad possuem representação de oito cidades europeias (Berlim, Paris, Copenhague, Estocolmo, Viena, Oslo, Helsinque e Dublin) e duas do oriente médio, Ramallah-Pale e Amã. Ramallah-Pale é a capital da Autoridade Nacional da Palestina e foi a cidade que obteve o maior percentual de votação para o candidato petista, 90,15% dos 1.204 eleitores/as e  Amã é a capital da Jordânia e respondeu por 66% dos votos. Em relação a primeira, a série de reportagens baseada no relato das pessoas que vivem em Ramallah, Belém, Hebron e Jerusalém, Palestina: Histórias de uma país ocupado, deixa-nos saber que a opressão realizada por Israel faz com que a Palestina seja considerada um campo de concentração aberto, motivo de vergonha internacional e a sua população vive um genocídio semelhante ao que foi conduzido pelos países europeus às comunidades indígenas do novo mundo. A presença de Israel no espaço do Oriente Médio é conturbada deste a sua fundação em 1948. Em relação a Jordânia, as recentes notícias é que este país pretende terminar com o tratado de paz assinado com Israel, em 1994. Seguramente, o suporte da população brasileira das duas cidades do oriente médio é o reflexo de uma aversão do apoio de Bolsonaro a Israel e seu alinhamento a proposta de Trump para a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. Somente para constar, 77,3% dos brasileiros/as de Tel Aviv votaram em Bolsonaro.

Assim como o apoio da população de Guaraíba eflui da sua experiência em ser reconhecida pelo Governo Federal e começar a participar de incentivos públicos que incrementaram a qualidade de vida do cidadão, indicam a razão para o voto em Haddad a aversão à instabilidade e opressão vivida pela população de Ramallah justificam os mesmos índices piauienses e o seu rechaço ao candidato fascista. E quanto ao resultado dos oito países da Europa, cujas cidades estão entre as dez primeiras maiores votações a Haddad, são as benesses do Estado Social que justificam a aprovação petista? Bem… nem por isso.

Em relação aos países onde houve votação, no espaço europeu, quinze deram a vitória à Haddad e treze a Bolsonaro. Ao observarmos os postos de votação dos países, estruturados pelo TSE, vemos que podem haver um ou mais de um posto em cada país. Portugal e Alemanha possuem três postos de votação, Espanha, Itália e Suíça possuem dois, o restante dos países europeus possuem somente um. Diferenças dos resultados entre os postos do mesmo país somente foram observadas em Alemanha e Espanha. Em relação a primeira, enquanto a votação em Berlim (73%) e Frankfurt (51%) asseguraram a vitória de Haddad, Munique (52%) apontou a vitória para Bolsonaro. Relembra-se que Munique foi o “bastião e berço” da Alemanha nazi e o seu campo de concentração, Dachau, era tido como um modelo a ser seguido. Por outro lado, além de Berlim ser uma cidade inspiradora para a implantação de serviços públicos, ter sido rasgada pelo Muro, de acordo com investigadores/as o passado histórico do país favoreceu o ganhador das eleições no cômputo geral da Alemanha. Em Espanha, Barcelona (53,8%) abraçou Haddad e Madri (59,8%) Bolsonaro. Ainda veremos alguma análise especialista sobre esse resultado em Espanha mas, certamente, ela não estará distante da luta de independência de povos vivido na região da Catalunha que tangencia tanto a já citada Ramallah quanto outra cidade europeia também pró-Haddad, Dublin-Irlanda. Nos demais postos de Portugal, Itália e Suíça, o resultado foi o mesmo: Bolsonaro.

É ponto pacífico que este texto somente objetiva o arejamento das notícias em torno das eleições brasileiras e por isso apenas sinaliza direções que podem ser criticadas por outras pessoas que se interessam “por essas coisas”. Por isso, não há qualquer intenção ou até mesmo possibilidade de haver algum aprofundamento sobre o motivo dos resultados eleitorais por cada país. No entanto, é preciso perceber que os resultados dos países da Europa do Sul(Portugal, Espanha, Itália e Grécia) foram, todos, pró-Bolsonaro. Além da evidência geográfica destes países, o Sul também refere-se ao seu baixo protagonismo dentro da europa, o lugar periférico que assume nas decisões do espaço europeu e a baixa efetividade das ações do Estado na produção do bem-estar social.

Em relação a Portugal, que possui a cidade europeia com o maior índice de aprovação à Bolsonaro, também destaca-se que 80% da comunidade portuguesa, no Brasil, vota Bolsonaro. E se existe países fraternos é fato que há muita rixa entre irmãos de Portugal e do Brasil. Ao chegarmos em terras lusas, rapidamente, a ilusão do recém chegado de “estar na Europa” é substituída pela realidade preconceituosa e diária. Em que as mulheres brasileiras ainda são vistas como garotas de programa e até em Coimbra, que recebe estudantes brasileiros desde o achado do Brasil, o preconceito universitário alcançou o Paço e incentivou o pronunciamento oficial da universidade contra atitudes xenófobas. Como estou por aqui desde 2014, vivo a situação na pele e no acompanhamento das experiências de nossas crianças. A situação mais marcante, até agora, foi quando o meu filho, um tanto cabisbaixo, comentou que a única palavra que não conseguia pronunciar com o sotaque luso era o seu nome. É uma violência enorme perceber a criança se esforçar para esconder aquilo que denuncia o seu local de nascimento e, mais agudo, é percebermos o impacto sobre o significado do nome e a sua própria identidade. E quanto a língua “brasileira” nem é preciso comentar que o assunto dá tanto pano para a manga e não é possível comentar por agora.

No entanto, se não estivermos atentos ao que acontece ao nosso redor e ficarmos armados e prontos para responder qualquer comentário que pareça preconceituoso, deixamos de perceber o próprio lugar que escolhemos morar, pelo menos, por algum tempo. A ótima ideia da Sociedade Providência que se vive em Portugal, onde a providência que era para ser uma responsabilidade do Estado acaba por se institucionalizar nas pessoas e na sua rede de contactos, não pode ser entendida sem o seu par, a Sociedade Conservadora. É a sociedade conservadora que protege, primeiro, os seus e dá fundamentação para a providência vivenciada no dia a dia. É a partir do olhar para os meus e, consequemente aos iguais a mim, que percebemos que o preconceito ao brasileiro não é diferente ao negro, ao cigano, ao homossexual, ao deficiente e às minorias em geral. Não é por acaso que Portugal figura entre os países mais racistas da Europa. Ao assumirmos o discurso local, há forte probabilidade de ao invés de acolhermos a comunidade que moramos com as suas naturais problemáticas e a intenção de contribuir para a sua melhoria, escolhemos o trajeto de sermos os “eternos turistas”, sem vínculos fortes com a terra, e nos organizar entre o nós e “esses Tugas”. Não é preciso comentar os constrangimentos de assumir essa visão e as consequências desse pensamento, que é a base para o fascismo.

Com a exposição sobre as cidades com os maiores índices de votação para cada candidato, percebermos que se por um lado o conservadorismo, a divisão entre o “nós e eles”, e a baixa efetividade das ações do Estado potencializam a veracidade das fake news e o alinhamento ao Bolsonaropor outro, as experiências com as ações do Estado e a aversão a ideias fascistas fornecem condições para as pessoas mitigarem as mesmas notícias e ficarem mais à esquerda.

Então podemos indicar os motivos que levaram Guaraíba, Ramallah e Berlim a figurarem com os maiores índices do candidato Haddad perpassam a experiência que vivenciam todos os dias. Sejam elas advindas da presença do Estado que incrementa as políticas públicas e interferem na realidade dos indivíduos cotidianamente, ou os serviços que promovem a proteção social, que organiza a vida, mais a aversão ao fascismo e a necessidade de organização social e legitimização de um povo.

Portanto, o combate às notícias falsas é importante e incontornável mas somente o fortalecimento das experiências diárias com a presença do Estado é que poderão dar condições às pessoas perceberem o que está por detrás da notícia e as suas consequências para o seu dia a dia. O contrário, é a organização da vida “da maneira que der” e suscetível a qualquer mensagem que possa garantir a proteção “dos seus”.

Maioria Haddad: França, Dinamarca, Estónia, Sérvia, Suécia, Rússia, Alemanha, Áustria, Noruega, Finlândia, Irlanda, Holanda, Eslováquia, República Checa e Polônia.

Maioria Bolsonaro: Grécia, Ucrânia, Romênia, Portugal, Suíça, Itália, Croácia, Reino Unido, Turquia, Chipre, Bélgica, Espanha e Hungria.

ANOTE AÍ

*Rogério Lima Barbosa, pós-doutorando pelo CES/UC

Fonte: Carta Maior

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