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Xingu: território indígena com mais focos de queimadas no Brasil

Xingu é o território indígena com mais focos de queimadas no Brasil

 Por: Marcio Camilo 

Na aldeia Kuikuro o fogo começou com as queimadas realizadas dentro de fazendas que ficam no entorno da terra em Mato Grosso (Foto de Takumã Kuikuro)


Cuiabá (MT) – A Terra Indígena do Xingu, no nordeste de Mato Grosso, é o território indígena do Brasil que mais tem sofrido com as queimadas e incêndios florestais em 2020, desde quando começou o período mais intenso da chamada temporada do fogo na região amazônica, a partir de julho. No território, 102.918 mil hectares já foram devastados pelas chamas neste ano, de acordo com o Instituto Centro de Vida (ICV), que coletou as informações a partir dos dados da NASA. Os focos de calor registrados de 1º de janeiro a 16 setembro deste ano superaram em 155% os detectados no mesmo período de 2019: subiu de 432 focos para 1.102, conforme o monitoramento de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A estiagem de mais de 120 dias, aliada ao desmatamento e à falta de fiscalização do governo federal, agrava ainda mais a situação das queimadas e dos incêndios florestais na terra indígena, onde vivem cerca de 7 mil pessoas de 16 etnias diferentes

O cenário com um todo é dramático no Xingu e em outras nove terras indígenas.

 A pressão do desmatamento

De acordo com o Inpe, Mato Grosso encontra-se em estado crítico de “risco de fogo” para o mês de setembro. As medições do instituto indicam uma grande mancha vermelha que ocupa praticamente todo o mapa do Estado.

Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), explica que um dos fatores que aumentam o risco de incêndios é a falta de chuva, e no Xingu, de acordo com o Inpe, já não chove há 120 dias. “O ‘risco’ é uma síntese da falta de água – menos chuvas, temperatura mais alta e a falta de floresta [devido ao desmatamento e a degradação ambiental] que reduz a chegada de ar úmido”.

Ele ressalta que a combinação de risco elevado de fogo, mais a pressão pelo desmatamento (consequentemente a queimada para limpar a área) faz o estado ter muitos focos queimadas.

Observa ainda que a pressão que os produtores fazem pelo desmatamento tem relação com o “boom do mercado para produtores agropecuários”, principalmente o preço do boi que subiu cerca de 60% nos últimos dois anos, de acordo como o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP)

Essa pressão, conforme Paulo Barreto, faz como que ocorra uma falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes – entre eles o Ibama – no combate às queimadas. “O dado disponível é sobre a redução de multas federais [aos infratores] e outros recursos para fiscalização, como a falta de helicópteros para sobrevoar a Amazônia”.

Mato Grosso é um dos estados brasileiros com maior “risco de fogo” em seus três biomas (Amazônia, Pantanal e Cerrado), de acordo com as projeções do (Inpe). A situação fez o governo estadual decretar, na segunda-feira (14), o estado de calamidade por conta dos incêndios florestais, sobretudo no Pantanal, que já são considerados os piores da história, desde 1998, quando o Inpe começou a calcular a série histórica. A vegetação da Terra Indígena do Xingu é de bioma Amazônia.

O Senado Federal também criou uma comissão extraordinária para acompanhar a situação no Pantanal, que já teve 21% de seu bioma – na porção Mato Grosso – destruído pelas chamas, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso corresponde a 1,3 milhões de hectares atingidos pelo fogo, até 13 de setembro, segundo análise dos dados da NASA.

Fumaça encobre a terra


No Xingu, foram registrados 571 focos de calor, de 1°a 16 de setembro, conforme o satélite de referência do Inpe. Isso representa um aumento de 237%, se comparado ao mesmo período do ano passado. As queimadas no início de setembro também já superam os focos registrados em agosto inteiro: 157. Segundo o ICV de 1° de janeiro até 13 de setembro, 102.918 hectares de floresta já foram devastados pelas queimadas no território. “Desse total, 27.825 hectares iniciaram entre janeiro e junho; 29.070 em julho; 29.525 em agosto; e 16.498 hectares nesses poucos mais de 10 dias de setembro”, detalhou  Vinicius Silgueiro – coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.

Desde 1° julho, quando o Governo de Mato Grosso decretou o período proibitivo do uso do fogo em todo estado, mais de 10 mil focos de queimadas já foram registrados no bioma amazônico, em Mato Grosso, incluído áreas não indígenas.

O cineasta Takumã Kuikuro, da etnia Kuikuro, produziu um vídeo para mostrar a devastação da floresta e também para mobilizar uma campanha na internet, com objetivo de arrecadar fundos aos brigadistas indígenas, que estão na linha de frente no combate ao fogo no Xingu. O vídeo em que Takumã aparece numa estrada de chão, cuja paisagem está praticamente coberta pela densa fumaça, “viralizou” nas redes sociais e ganhou a atenção da imprensa nacional. “A fumaça está cobrindo a terra indígena. Isso nunca tinha acontecido no Xingu. Você não consegue nem respirar e nem enxergar direito”, disse Takumã no vídeo.

Takumã mora na região do Alto Xingu, onde residem 11 povos: Aweti, Kalapalo, Kamayurá, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Trumai, Wauja e Yawalapiti. O Alto Xingu – que fica na porção sul da reserva –  é a região mais afetada pelo fogo, segundo as projeções do ICV, levando em conta todo o território, com 2.642.003 hectares.

A etnia de Takumã, a Kuikuro, possui seis aldeias no Alto Xingu, onde moram cerca de 1.500 pessoas. Desde de julho, os Kuikuro têm constantemente sofrido com as queimadas, provocadas pela ação de fazendeiros no entorno.

“Cada vez está aumentando, queimando a mata. Começou da fazenda, no entorno aqui do Alto Xingu”, disse o cineasta, que preferiu não revelar quem seria o proprietário do imóvel, por medo de represália dos ruralistas locais. “A gente não pode citar nome de fazenda. Porque muito perigo, a gente não quer ter conflito com fazendeiros por causa disso”, disse Takumã, em entrevista por telefone à Amazônia Real.

Takumã conta que “as aldeias ficam com cheiro de fumaça todos os dias” e por mais que haja esforço dos brigadistas indígenas, o combate às chamas “está muito difícil”, devido à falta de estrutura.

“Eu trabalho com audiovisual e fui registrar o trabalho dos brigadistas. Eles ficam sem comida lá, sem água. Tem que se virar mesmo. Eles estão ficando muito cansados, muitos estão ficando doente. Estão arriscando a vida para combater as chamas”, ressalta.

O cineasta disse que o Ibama tem ajudado, mas que “não é o suficiente”. “Precisamos fazer alguma coisa para ajudar os brigadistas indígenas. Tem brigadistas pelo Ibama, só que eles não estão dando conta de apagar o incêndio grande, muita coisa. Não temos helicóptero, não temos avião que possa levar água para apagar esse fogo. Não sei como a gente pode salvar a floresta do Alto Xingu”, questiona Tukumã.

Ele destaca que os moradores da aldeia Kuikuro tem usado muitas ervas tradicionais durante a pandemia, e que elas estão se perdendo em meio ao fogo. “Muita gente ficou contaminado pelo vírus, mas a medicina tradicional ajudou bastante. No momento agora do incêndio, do fogo muito grande, a gente está muito preocupado porque esses remédios estão em perigo pelo fogo, porque cada vez mais o fogo aumenta, muito fogo mesmo”, enfatiza a liderança indígena Takumã Kuikuro.

A febre da Covid-19

Fogo na Aldeia Kuikuro (Foto de Takumã Kuikuro/2020)

Makaulaka Mehinako, da etnia Mehinako, também morador do Alto Xingu, está há mais de cinco dias com o corpo ardendo em febre por causa da Covid-19. Com a voz muito abatida conta que o vírus chegou na aldeia na semana passada, e, para complicar, com ele veio o aumento das queimadas que afetam ainda mais a respiração dos contaminados.

“Apesar de vários meses de a gente ter conseguido impedir a entrada do vírus… eu que mais ficava em casa, fazendo isolamento, não sabemos como o vírus foi parar dentro da minha casa. Aconteceu. Vamos ver como vai ser daqui para frente, ainda mais com essas queimadas, que não param de crescer desde julho”, lamenta a liderança Mehinako que é professor de Ensino Médio no Xingu. “A queimada está tomando conta do Xingu. Temos que fazer alguma coisa e o não sei como é que vai ser… Está muito grave aqui”, diz Makaulaka.

Tapi Yawalapiti é o filho do grande cacique Aritana Yawalapiti, que morreu em decorrência da Covid-19, no último dia 5 de agosto. Ele assumiu o posto do pai como líder dos Yawalapiti, tendo um grande desafio pela frente: liderar seu povo no contexto da pandemia e diante duma floresta que não para de queimar.

“O fogo perdeu o controle e está queimando muitas matas. Tem os brigadistas indígenas tentando combater, mas eles não estão conseguindo, porque a época aqui está muito seca e o fogo se espalhou”, diz Tapi.

A liderança observa que as queimadas estão destruindo “várias árvores, ninho de pássaros, habitat dos animais, a beira dos rios… está queimando os materiais que a gente utiliza para a construção das casas, fazer banco, fazer um artesanato… principalmente ervas medicinais que a gente usa para tratar os pacientes. Então a gente fica muito preocupado com isso”, diz Tapi.

Para o ano que vem ele pensa em articular uma grande reunião na comunidade para evitar um novo estrago provocado pelas queimadas.

“Estamos planejando aqui com minha comunidade, ano que vem, até outubro, a gente tem que ficar de olho na floresta. Não deixar o fogo se aproximar da nossa aldeia, tem que conscientizar o povo não tocar  fogo de qualquer jeito. Fazer a conscientização em cada aldeia para gente ter cuidado com a floresta”, ressalta Tapi.

Casas destruídas

Aldeia na Terra Indígena Xingu (Foto de Takumã Kuikuro/2020)

Já no baixo Xingu, região norte do território, as chamas consumiram, no domingo passado (13), mais de dez casas do polo base Diauarum, que serve como unidade de apoio a saúde dos indígenas, principalmente das etnias Kayabi e Yudjá.

Um vídeo encaminhado à reportagem pela liderança Kayapó, Patxon Metuktire, neto de Raoni, mostra as chamas consumindo a casas em Diauarum, e provocando uma intensa fumaça preta que se espalhou pelo céu: “Queimou tudo, Diauarum, queimou tudo!  14 casas até agora”, disse um homem com voz ofegante enquanto gravava as imagens.

Segundo o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Xingu, Daniel Passos, as causas do fogo na floresta do Parque Nacional do Xingu são investigadas por equipes do órgão e também da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Xingu, que irão produzir um relatório sobre o ocorrido.

Mas conforme Passos, informações preliminares dão conta de que o incidente teve início no interior do polo base, quando um indígena teria feito uma queimada tradicional para limpar a roça e fazer o plantio. Mas devido ao clima muito seco e as rajadas de vento, o fogo teria saído do controle. “Essa é a informação que temos. Todavia enviamos uma equipe do Dsei Xingu e da CR Funai para avaliar e emitir um relatório a respeito”, disse por mensagem no Whatsapp à reportagem da Amazônia Real.

 O que diz a Funai?

A Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou nota oficial em seu site na quarta-feira (16), esclarecendo que o combate ao novo coronavírus seguem em todo o país. “Entre as medidas, está a entrega de cestas básicas a indígenas em situação de vulnerabilidade social. Mais de 420 mil cestas já foram distribuídas desde o início da pandemia. “Ainda no mês de março, a Funai já havia suspendido as autorizações para ingresso em Terras Indígenas e, atualmente, participa de 311 barreiras sanitárias para impedir a entrada de não indígenas nesses territórios. Cerca de R$ 28 milhões foram investidos pela fundação no combate à doença”, diz o órgão.

Com relação à fiscalização dos territórios, a Funai afirma que foram realizadas 184 ações em 128 Terras Indígenas para coibir ilícitos, como extração ilegal de madeira, atividade de garimpo e caça e pesca predatórias, a um custo de R$ 3,3 milhões. “A fundação participa também da Operação Verde Brasil 2, deflagrada pelo governo federal para executar ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais na Amazônia Legal”. Leia a íntegra da nota aqui.

 Queimadas no território de Raoni

Incêndio na Aldeia Piaraçu (Foto Instituto Raoni/2020)

A Terra Indígena Capoto/Jarina, ao norte de Mato Grosso, do cacique Raoni Metuktire, é a segunda que mais queima em Mato Grosso, no bioma amazônico, em setembro. De 1° até o dia 16 deste mês já foram 111 focos de calor. No mesmo período do ano passado foram 44 focos.

No mês passado a comunidade passou por um grande susto, quando um incêndio resultou na destruição de duas casas e a caixa d’água do sistema de abastecimento de água da aldeia Kororoti.

De acordo com Mayalú Txucarramãe, neta de Raoni e que tem parentes na aldeia, o fogo foi ateado para limpar a roça, mas devido ao clima seco e as rajadas de vento “ele se espalhou e saiu do controle”. Por sorte ninguém se feriu.

No vídeo ao qual a Amazônia Real teve acesso é possível ver uma das casas sendo consumidas pelas chamas, enquanto mulheres e crianças correm assustadas e tentam salvar objetos, como lençóis e colchão.

O que diz o Ibama?

Procurado pela reportagem, a assessoria do Ibama informou que está “com aproximadamente 100 brigadistas de diferentes estados e um helicóptero combatendo o fogo no Xingu”.  Segundo o órgão, isso “representa um dos maiores quantitativos nos últimos anos neste local”. O Ibama também ressalta que “o monitoramento dos incêndios é diário e as fazendas do entorno que apresentam focos de calor são notificadas”.

Fonte: Amazônia Real

 

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