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Quem são esses Miranha?

 
Quem são esses Miranha? 
 
Por José Ribamar Bessa Freire
 
– Miranha. A gente é Miranha!
 
Quem falou assim foi Eunerina Marins, se apresentando num hotel de Manaus a um grupo de pesquisadores do Pará e do Rio de Janeiro. Ela veio de Coari, com seus parentes, para discutir com a Petrobrás os impactos do poliduto de Urucu que atravessa suas terras.
 
Os pesquisadores, por seu lado, estavam participando do I Encontro de Línguas Indígenas e Culturas Amazônicas, organizado pelo Núcleo de Pesquisas em Ciências Sociais do INPA. As duas `tribos` se encontraram casualmente no mesmo hotel localizado no Boulevard Amazonas, onde estavam hospedados.
 
Eunerina, de 43 anos, é cacique dos Miranha da aldeia de Cajuhiri Atravessado, que fica perto do terminal da Petrobrás, em Coari, município no qual vivem cerca de 1.000 índios de várias etnias: Kambeba, Mura, Kokama, Arara, Caburi, Tikuna e Munduruku. Ela veio representando a União dos Povos Indígenas de Coari e do Médio Solimões (UPICMS). Com a ajuda do historiador da UFAM, Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, conversamos com os Miranha, que nos contaram um pouco de sua história, cujo resumo vai aqui relatado, juntamente com dados fornecidos pelos viajantes dos séculos XIX e XX. 
 
Notícia dos Miranha

Três viajantes alemães, em diferentes momentos, deram notícias dos Miranha. O primeiro foi o botânico Martius, membro da Comissão Científica que acompanhou a imperatriz Leopoldina. Ele subiu o rio Japurá em janeiro de 1820, navegando em oito canoas cobertas de toldo de folhas de palmeira e equipadas com 56 índios remeiros.
 
Na viagem, entrou em contato com vários grupos indígenas, calculando que foram presos no Japurá e levados como escravos para Manaus e Belém, entre 1750 e 1820, mais de 20.000 índios. Apesar disso, no Médio Japurá, só da etnia Miranha havia ainda, em 1820, mais de 6.000 índios, nenhum deles falava português, mas muitos eram bilíngues em Miranha e Nheengatu.
 
“A sua tribo é a mais numerosa e poderosa em toda a bacia do Juruá”, escreveu Martius, fazendo uma descrição física deles: “São índios robustos, bem proporcionados, de tez escura e peito largo”. Viviam de barriga cheia. Plantavam mandioca, urucu, algodão, banana, pupunha e outras espécies. O botânico alemão ficou impressionado quando viu numa roça mandioca pesando quase 15 quilos e cachos de banana de 50 quilos.
 
A pescaria era farta. “O trabalho de oito dias produz provisão para meio ano”, escreveu Martius, que viu jiraus repletos de pirarucu, pirarara, surubim e acará. Tinha tanto peixe que fazia lama. Os Miranha mantinham ainda provisão de aves aquáticas: jaburu, pato, mergulhão, quero-quero e garças, “preparados em moquém, e comprimidos entre as folhas de bananeira pacova sororoca”.
 
A arquitetura miranha também foi observada. “Suas cabanas estão espalhadas pela mata, longe uma da outra, porém são espaçosas, de modo que em geral agasalhavam diversas famílias. São quadradas, construídas levemente de vigas e ripas, com paredes barreadas ou forradas, como o teto pontudo, de folhas de palmeira”. Martius ficou encantado também com o método de purificação da água dos Miranha, que colocavam pedaços de cacto ou de bagas de embaúba dentro do pote, deixando a água branquinha branquinha e dando-lhe um sabor agradável.
 
Aqui pra nós, não sou fofoqueiro não, mas tenho que dizer que Martius era tremendamente preconceituoso, apesar de ser excelente observador. Chamou os índios de “bárbaros e antropófagos”. No entanto, elogiou as qualidades dos Miranha que sabiam fazer como ninguém canoas grandes de paxiúba barriguda ou de jacareúba, usadas ao longo do Solimões. As mulheres teciam redes de tucum, que eram exportadas para todo o Pará e ficaram famosas porque tinham “artísticos trançados de rara beleza”. O próprio Martius comprou dúzias delas. 
 
Em busca da terra
 
Durante o auge da extração da borracha (1870-1920), os Miranha tiveram frequentes enfrentamentos com preadores de índios, que subiam o Japurá em busca de escravos para levá-los a trabalhar nos seringais do Purus e do Juruá, o que foi registrado por outro viajante alemão, Koch Grunberg em 1909. Nessa época, ele encontrou muitas aldeias destruídas e os Miranha espalhados por Tefé, Coari, Caiçara e outros locais.
 
“Eles se distinguem pela grande inteligência e excelente qualidade de caçador”, diz Kock Grunberg, que não chegou a ver mais o trocano documentado por Martius, que servia como “telégrafo sem fio”, permitindo a comunicação rápida entre malocas.
Quando o terceiro alemão, Curt Nimuendaju, subiu o rio Solimões em 1941, foi muito bem recebido pelos Miranha, que viviam no Lago Caiçara, onde haviam se refugiado desde 1900 junto com os huitoto. A maioria ainda falava a língua Miranha. Mas a velha Eunice, mãe de Eunerina, contou para os seus filhos como seu povo veio do Japurá para a aldeia Cajuhiri, na época ainda do avô dela, o velho Leopoldino Marins dos Santos e de sua avó Me-en. Ela conheceu o marechal Rondon, do SPI e guarda dele boas recordações, porque foi ele que deu garantias da terra do Cajuhiri, da qual foram desalojados pela força, pela primeira vez, em 1933.
 
Sentados na recepção do hotel, os Miranha vão contando a saga de seu povo, num processo interessante de narração, porque cada um conta um pedaço, um acontecimento, alternando os turnos, como se cada um fosse especializado em um período. Edgar, de 50 anos, irmão de Eunerina, relata como a polícia, comandada pelo tenente Pedro, chegou em oito batelões, numa tarde chuvosa, espalhando terror. Os índios foram espancados e presos, mas conseguiram fugir até Manaus, e com a ajuda do prof. Góes, do SPI, recorreram e conseguiram retomar a aldeia de volta.
 
Quem começou contando o segundo despejo, em 1956, foi Eunerina. Seu pai estava fervendo sorva na panela para vender. Ai choveu urubu em cima do pai. Era a polícia outra vez. Edgard na época tinha um ano de idade e estava com diarreia. Os índios foram todos presos e levados a Coari. Dona Eunice conseguiu fugir e veio se queixar em Manaus. Inutilmente. Eles viveram um tempo na periferia de Coari, até que em 1985 se organizaram e decidiram retomar a terra.
 
A Funai conseguiu documentação no Museu do Índio e eles puderam, finalmente, recuperar o território que lhes pertencia. Nova briga ocorreu em 1997, porque um tal de Julio Miguel, grileiro, acionou a polícia para desalojá-los pela terceira vez. Os Miranha, depois de muita luta, puderam enfim recuperar seu território.
 
A cacique Eunerina foi convidada pelos pesquisadores e compareceu ao encontro do INPA uma tarde. Fez um discurso bonito: “Vou falar na minha língua: Eanecuema, que quer dizer bom dia”- ela disse em Nheengatu. Os Miranha não falam mais sua língua de origem, mas querem criar um centro cultural para revitalizar aspectos de sua cultura. Quem são esses índios que andam, de cabeça erguida, pelas ruas de Manaus, depois de haverem negociado com a Petrobrás uma indenização razoável para os seus projetos de etnodesenvolvimento?
 
– “Miranha. A gente é Miranha”..
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