“As estrelas, eu pensava que eram filhotes da lua”
Por Matari Kayabi
Antigamente, eu pensava que o sol era a luz do homem branco,
Quando escurecia, eu pensava que os brancos apagavam a luz.
A chuva, eu pensava que era gente que jogava água do céu para regar a terra.
A trovoada, eu pensava que era gente que batia tambor.
O vento, eu pensava que a terra corria.
A nuvem preta, eu pensava que era o fim do mundo.
As estrelas, eu pensava que eram filhotes da lua.
O sol, eu pensava que era o marido da lua.
E para mim as estrelas eram filhotes da lua e do sol.
A terra, eu pensava que tinha um ferro grande para se firmar.
Eu pensava que o céu foi feito como a casa.
Eu pensava que a grama e o mato era cabelos da terra.
Eu pensava que a nuvem era a fumaça.
Eu pensava que os animais é que plantavam as frutas do mato.
O mundo para mim era só o Brasil, e a cidade de Brasília.
Eu pensava que não existiam outros países e outras cidades.
Eu pensava que os brancos eram menos pessoas do que os índios.
Eu pensava que a vida não tinha fim.
Eu pensava que não existia doença.
Eu pensava que ninguém ficava velho.
Eu pensava que quando ficava velho, voltava a ser novo.
Eu pensava que todo branco e índio eram todos uma só nação.
Matari Kayabi – Liderança Indígena – em Geografia Indígena. MEC/SEF-ISA, 1994.
Publicado originalmente em 22/05/2020.
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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